A História do Ibo



A Ilha do Ibo, no meio das Quirimbas!






Estes dias que temos passado no Ibo, de alguma calmaria, pois tudo está em ritmo de férias de Natal e Fim de Ano, tenho aproveitado para conhecer melhor a História desta Ilha. E assim começar a fazer parte dela também.

Faz este ano 250 anos que o povoado da Ilha foi elevado à categoria de Vila, pela Coroa Portuguesa. E como tudo começou, foi através de nós – portugueses. Este povo tão, tão pequenino, tão microscopicamente presente no universo actual, mas que me faz sorrir e sentir-me orgulhosa cada vez que conheço e aprendo com os seus feitos extraordinários. Porque o que fizemos há 500 anos atrás foi tão extraordinário como será hoje a descoberta de uma nova galáxia, ou planeta, ou uma outra via láctea talvez...

Quando Vasco da Gama chegou à Ilha da Quirimba em 1498, sempre com o objectivo da Índia, pois era lá que estavam os maiores interesses do Império (Moçambique serviu como “escala” para as viagens ao Oriente), ele encontrou uma Ilha, no meio do Arquipélago das Quirimbas, carregada de árabes. A influência muçulmana é tão forte nesta costa africana, que é demasiado anterior a qualquer tentativa de colonialismo pelo mundo ocidental. A China, a Pérsia, a Índia – todo o Oriente estava enraizado em África.

A expedição de Vasco da Gama continuaria até à Índia, mas 25 anos depois, em 1523 ele quis voltar e veio para tomar de saque a Quirimba, destruindo barcos e casas, e eliminando o poderio muçulmano que estava presente na Ilha. Houve duras lutas entre os portugueses e os árabes de Oman e decide-se a transição da Capital para a Ilha do Ibo. Ora, dali para a Ilha do Ibo foi um pulo – literalmente naquela época como hoje, pois caminha-se a pé entre as duas Ilhas durante a maré baixa (duas horas e meia de caminho). No Ibo os portugueses encontraram água doce, e isso foi fundamental para que então implementassem o seu marco na Ilha.

Como ilha, estrategicamente colocada, entre África e a Ásia, serviu de escala de comércio e de porto de partida para a troca de escravos. Barcos vindos dos dois mundos, ocidental e oriental, chegavam ao Ibo carregados de telhas de Marselha, de loiça chinesa, especiarias e de lá voltavam com escravos e sisal, mica, madeira…
O mais curioso é que ainda hoje, ao caminhar na Praia, quer no Ibo quer na Quirimba eu encontro muitos pedaços de pratos com o desenho azul “cantão” e tenho andado a coleccionar bastantes pedaços que, apesar de não terem valor, contam essa história única destas Ilhas. As telhas de Marselha ainda hoje estão nos telhados (os poucos que restam de pé) nas casas da Ilha do Ibo.

Apenas em 1752 é que a Colónia de Moçambique deixa de ser administrada a partir das autoridades sediadas na Índia, e consolida-se a Aventura portuguesa na África Oriental e no Arquipélago das Quirimbas. A planta de urbanização da Ilha segue a influência das possessões portuguesas e criaram-se 3 fortificações: Forte de São José (1764), Fortaleza de São João Baptista (1789) e Forte Santo António (1818). Defenderam a população dos ataques frequentes dos Sakalaves (povo de Madagáscar) e até de uma tentativa de tomada da Ilha pelos Franceses. Felizmente, hoje as 3 fortificações estão em bom estado de conservação, tendo sido recentemente recuperadas.

Em 1885 é instalada a iluminação pública nas ruas do Ibo, chegando 100 lampiões da Índia e no final do século 19 o Ibo estava a florescer de gente, comércio e actividade económica; há registos que apontam para cerca de 10 mil habitantes na Ilha, tendo uma população de escravos de cerca de dois mil habitantes.
Quando em 1892 se fundou a Companhia do Niassa, todos os terrenos da Província de Cabo Delgado (da qual o Ibo era sua Capital) estavam sob a sua gerência, e o Ibo é incorporado pela Companhia e escolhido como sua Sede – o que significava a existência de Tribunal, Alfândega, Correios e Telégrafos, Igreja, Lojas e Armazéns, um Restaurante, uma Grande Mesquita, uma Fábrica de sabão e de óleos, …

A concessão dos terrenos terminou ao fim de 35 anos, e a Companhia do Niassa já nessa altura tinha transitado para Pemba (Porto Amélia), que pela sua enorme Baía permitia ter muito mais capacidade de receber grandes barcos, ao contrário do Ibo, que pela sua limitação das marés obrigava a uma “ginástica” muito maior.

Quando os terrenos foram retomados pelo Governo, também a capital do Distrito passa para Pemba, começando o seu lento abandono. Foi em 1929 que começou o declínio da Ilha, daquilo que hoje é um resquício desses tempos tão prósperos. Nos anos 60 a PIDE instala-se na Fortaleza de São João Baptista que passa a servir de presídio para os pro-nacionalistas, muitos deles ali massacrados até à morte. Depois veio a Guerra Civil em Moçambique, que ainda veio destruir mais o Património da Ilha, deixando as suas casas e Edifícios de arquitectura antiga com o aspecto de um raide aéreo feroz.

Até ao início dos anos 2000 o Ibo foi-se apagando para que muito lentamente se tenha começado a olhar para ele novamente. Parte dos seus Edifícios já foi classificados como monumentos históricos, sendo hoje um destino, quase paragem obrigatória, a quem visita o Arquipélago das Quirimbas.

Hoje, quando passeio pela Ilha, entre os dois Bairros que ainda hoje dividem as casas coloniais (Bairro Europeu) e aquilo que se chamava o Bairro dos Indígenas, as casas de telhado de colmo, com o som das dezenas de Mesquitas a chamar a oração, com a visão da Igreja que está a ser toda recuperada junto ao mar (estão já a por um telhado novo), com o cheiro do arroz de coco a cozer e o caril de peixe a fervilhar, com os postes de iluminação e telefones a decomporem-se, com a tentativa de imaginar a vida dentro daquelas casas senhoriais, com as crianças a brincar sempre descalças e de roupa rota, as cabras a pastar no meio da rua, os miúdos a jogar com a bola feita de sacos de plástico, as motas e as bicicletas a passar, os cantos muçulmanos de ritos de iniciação que terminam e as festas que se realizam em todos os pontos da Ilha, os turistas a fotografar o passado, as acácias, os embondeiros, as buganvílias e as casuarinas a dar som ao vento que varre aquele pedaço de terra – já não consigo eliminar uma memória de um tempo ido, de uma Ilha bonita e próspera que foi completamente esquecida e abandonada.
Agora não. Agora não é completamente esquecida, porque eu acho que é meu papel fazer o pouco que posso por este pedaço de História. Pelo menos tento que essa memória não se "afunde" no meio do Oceano, literalmente.

A ilha do Ibo é parte de Portugal, também e por isso, é parte de todos nós!
Uma orgulhosa portuguesa, apesar das notícias que me chegam desse cantinho...

Comentários

Anónimo disse…
MUITO BEM!!!!!!!Não tenho palavras.Muito obrigado.Para mim é saber que tu sabes onde estar.O conhecimento prevalece sempre.O conhecimento acaba sempre por vencer.MUITO BEM.
Continua sempre a explorar esses universos.
Anónimo disse…
Finalmente encontro palavras esclarecedoras em relação à história de Ibo. Estive aí na semana passada e gostei muito, queria saber mais sobre Ibo mas não encontrara tão boa informação como esta.
Obrigada
Cachimo disse…
sou 100% da ilha do ibo, com muito orgulho, faco mestrado em engenharia de producao da UFRJ no rio de Janeiro,. quando leio este artigo, fico muito mais orgulhoso. E tenho certeza que um dia as coisas voltarao a ser como sempre foi.Precisamos de mais jovens do IBO a estudar,tenho sempre na medida do possivel, quando estou la, incentivar a estudar, tentar fazer entender que so estudando nos proprio podemos mudar o rumo da nossa ilha. Que ninguem vai o fazer, porque se assim fosse, aquele patrimonio nao tinha porque permanecer assim ate hoje. Mas pronto, isso nao vem ao acaso. Apenas parabenizar esse nobre gesto. de procurar fazer entender os visitantes da ilha, e ate aos proprios nativos, pos a informacao e muito escassa, sobre a veracidade dos factos, se existe nao esta sendo expandida. Obrigado

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