the dog days are over

 
Isto hoje não vai ser bonito. Aviso já.
E, como de costume, vai sair tudo de rajada, sem rascunhos nem exercícios de estilo, linguística ou semântica.
Há dias de merda. Que normalmente são o resultado de muita merda acumulada.
Há três semanas que estou com o M. sem um único descanso de fim de semana.
Hoje de manhã, quando o fui deixar à creche (esse pedaço de céu que existe na terra, para todas essas Mães e Pais deste mundo, quando chega à 2ªfeira), batemos com o nariz na porta e viemos recambiados para casa. Começou com uma conjuntivite no fim de semana; é altamente contagioso, pois. Na escola não pode ficar.
Tudo bem, tudo se arranja e tudo passa.
De regresso a casa, tenho o meu segundo filho (o Flash) a pedir-me o seu grande momento do dia - o primeiro passeio da manhã! Ora, no meu malabarismo apurado, lá meto trela numa mão, pego no carrinho com a outra e partimos os três para o jardim.
Apanho cocós, falo ao telemóvel, troco sms, ponho a chucha, tiro a chucha, dou água, grito com o cão, sossego o M., esqueço-me se cheguei a estar sentada um minuto.
Como tive de ir a Lisboa, entrou o meu reforço (a minha Mãe). 
Mas antes disso, e ainda a sós com o M., mandei uma cabeçada brutal e andei aos berros pela casa, com o M. ao meu colo, a dizer todas as asneiras, ao mesmo tempo que gritava: "eu não posso partir a cabeça!".
Ainda com o M. ao colo, que hoje chorou e fez mais birras do que nos últimos 6 meses, fui ao congelador buscar um saco de ervilhas.
Sentei-me, sempre com ele ao colo (a cabeçada foi com ele ao colo e nunca o larguei, nem o meu corpo parece permitir tal coisa, mesmo se estivesse a pisar brasas), e com o saco de ervilhas na cabeça. Ele, riu-se, claro. E eu também.
Estou há uma semana a acordar todas as noites de 2/2 horas - estão-lhe a nascer os caninos.  
Estou de tal maneira cansada, que todos os dias esqueço-me de onde deixo o carro.
É sempre divertido quando quero sair de manhã e fazer-me de detective dos meus próprios passos.
Noites terríveis de dentes e ben-u-rons são demolidoras de qualquer dia.
Ando a cozinhar sopas, peixe, carne, massas, batata, arroz, fruta como uma louca, de tal maneira que ando a pensar ensinar o Flash a desligar a Bimby.
Ainda tento trabalhar, produzir o que seja, socializar, escrever ou mesmo ler qualquer coisa, mas com três fins de semana em modo "super-Mãe" não há clubes de leitura, manicure ou sono de beleza que ajude.
Recebo, também hoje, a confirmação de que não posso participar num concurso de escrita infantil, com novos contos, por já ter publicado, em 2009, o conto do Princípe Igor com a Porto Editora. Ou seja, há 5 anos publiquei UM conto numa colectânea de contos, e só por essa estúpida fatalidade e idiota iniciativa da minha parte, em querer dar-me a conhecer ao mundo das letras, a troco de zero, estou condenada a não ser coisa nenhuma.
Mas a frustração não fica por aqui.
Ando cheia de encontros e desencontros, numa baralhada emocional pegada, um novelo todo complicado que, apesar de não me ter levado a lado nenhum, cansou-me e desgastou-me. 
Lidar com tristeza e com raiva ao mesmo tempo, é coisa que me consome e com a qual sempre tive imensa dificuldade em fazer.
Se por lado, a tristeza é para mim tal e qual como para o Vinicius de Morais, ou seja, "tristeza não tem fim, felicidade sim" , por outro, a raiva é coisa com a qual eu não nasci munida de. Não venho com isso. Não está cá dentro. 
Tenho imensa dificuldade em zangar-me, é um tormento. Eu não me zango, e isso deixa-me tão zangada que eu não sei como é que me posso zangar. E assim, como seria de se esperar, quando me zango, ou tento, é um bocado mau. É tão mau.
Durante esta última semana, calhou a uma pobre rapariga da ZON ligar cá para casa para me impingir tretas de telemóveis e o caneco - levou com uma resposta minha que ainda hoje deve estar em casa a chorar.
É um inferno.
Bom, e ainda hoje, para terminar o dia.
Estou a dar o jantar ao M. e reparo que a conjuntivite está a ficar cada vez pior, os olhos inflamados, duas bolas amarelas nos cantos, ele queixa-se dos dentes, por ter de mastigar o arroz, e começa aos guinchos agarrado à boca, a Bimby começa a apitar e a massa, para o almoço de amanhã, vai cozendo até ficar uma papa nojenta.
E nesse segundo tenho dois fios de lágrimas a escorrer pela cara abaixo, enquanto ainda tento enfiar colheres de sopa e fruta na boca do M.
Acabo a fruta, preparo o banho. As lágrimas continuam. Eu continuo. Arrumo e limpo a merda em que a cozinha ficou, meto-o na banheira, ele chora, quer meter tudo lá para dentro. Ele irrita-se e começa a bater com os braços e a deitar a água toda cá para fora. Nunca chora para sair do banho. Hoje chorou.
Vesti-o, meti-lhe um ben-u-ron, limpei-lhe os olhos e pûs pomada. Deitei-o e fui limpar a merda em que ficou a casa de banho.
Tomei uma dupla de ibuprofeno e paracetamol, abri um pacote de bolachas, jantei duas empadas com umas fatias de queijo falmengo e sentei-me a escrever.
Agora, assim como estou.
Cansada, exausta, triste, meio-zangada, uma merda com um pacote de bolachas no fim. 
Mas há duas coisas maravilhosas no final de tudo isto; uma é que amanhã é outro dia e a outra é que este fim de semana vou estar só comigo.
Ler todos os livros que se acumulam na mesinha cabeceira, dormir, escrever, começar o dia sem planos, nem ideia de como e onde vai acabar (adoro a leveza dos dias não pensados), retomar-me e reencontrar-me.
Amanha é o primeiro dia desta certeza.
Hoje foi o último dia merdoso para que amanhã comece tudo de novo.
 
até amanhã!
 
 

Comentários

Dias Cães disse…
Não sou mãe e, por isso, muitas vezes é-me negado o direito a ter uma opinião sobre a maternidade. Mas digo-lhe que a percebo perfeitamente. A desmotivação, a angustia, a frustração. O parecer que há dias que nada ajuda e, ao mesmo tempo, não se poder virar costas a nada.
E, no fim, revejo-me com essa tomada de consciência de que é preciso chorar tudo e meter um ponto final.
É uma mulher forte. Nada para si será um muro de Berlim impossível de transpor.

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