Ídolos

 


Afinal há coisas inexplicáveis por palavras. E eu achava que não.

Sempre me servi do léxico e do vocabulário, as palavras sobravam. Até ter ficado muda. 

Há coisas que não se explicam por palavras. 

E eu, obstinada pelo sentido e que escarafuncho tudo a fundo, quis perceber como é isso possível. Haver falta de palavras e de sentido.

A fé não se explica. Deus não se explica. Morrer um irmão não se explica.

Recolhi opiniões de todos os tipos, li vários livros, ouvi muita música, dissequei as letras. Fiz um diário, apontei cada dia e cada sentir. Fiz um retiro de silêncio, fui-me confessar, fui comungar. 

Quis perceber o mistério da vida e da morte, tanto da Física como da Filosofia. Depois, fui-me zangar com o Mundo. Com as editoras: há poucos livros sobre a morte; com os professores: devia haver uma disciplina sobre o luto; com a Junta de Freguesia: vocês deviam ter um guichets nas rotundas em que as pessoas passavam de carro, tipo MacDrive, e levavam com chapadas na cara para acordar para a vida! e com a vida, «hoje podemos, amanhã não sabemos!», vamos imprimir autocolantes e fazer comícios como no tempo do Freitas do Amaral, Prá frente Portugal! 

Olho para as pessoas e vejo-as em escala de: 'ainda tem Pai' ou 'ainda tem Mãe', 'já não tem um irmão', 'perdeu um filho'.

Não foi preciso muito tempo, bastaram seis meses. 

Durante 46 anos tive um irmão bestial. E é isto. Tive um irmão por 16.790 dias. Parece muito, mas para mim pouco. Parece-me que 16 mil dias não chegam para as vezes que andamos à batatada no banco de trás, sem cintos, as idas ao Ténis, que fomos sair, ao cinema, ao Guincho, abrimos pacotes de Malteasers, fomos ver aviões, Ferraris, filmes do Eddie Murphy, o Beetlejuice, o Blade Runner, ouvir Pet Shop Boys, Duran, Duran, Paul Simon e Bruce Springsteen, comer salame de chocolate e ir a pé para a pintura no Jardim Marechal Carmona. 

Fiz a conta várias vezes: 46 x 365 dias. Para mim foram 56 mil dias, podiam até ser 76 mil dias.  

Foram 16 mil estupendos dias, a concretizar coisas felizes, a ser amigos um do outro, sempre juntos. Em muita coisa diferentes, mas o sentido de humor era fotocópia. Como ir andar de bicicleta e acabar a dar um mergulhar no mar. 

O Herman José, nosso ídolo comum, disse há pouco tempo numa entrevista: «não permito que as coisas desagradáveis me afetem (...) uso o positivismo (do disparate) para me tornar mais feliz». 

E certo dia também ouvi: «podemos estar tristes, mas não seremos infelizes». 

Então, se me permites querido mano, não vou ser infeliz. Há dias em que choro mais, outros menos, há coisas que me custam mais, como voltar ao Guincho, outras menos. Mas nesta minha investigação sobre a morte e o luto, definitivamente escolho o caminho dos bons espíritos, das boas almas, das coisas positivas. E do disparate também. 

Escolho continuar contigo todos os dias. Se não te importas, por enquanto, mantem-se tudo na mesma. O atelier está meio vazio, mas sei que vais aparecendo. Eu de vez em quando deixo o rádio ligado.

Não estás aqui, mas estás.

Vou agora rever «A Vida de Brian», já falamos. 

Até já


Foto tirada por mim: João e Flash, julho 2009 




Comentários

Anónimo disse…
❤️
Anónimo disse…
❤️ é muito isso. É uma escolha que fazemos. Por nós e também por eles. Perpetuarmos a sua vida em alegria.

Mensagens populares