O saco da Fnac
Ele há coisas do arco!
Andava eu hoje no sub-mundo (metro), vai-vém, vai-vém, a congeminar este texto quando lá no fim da viagem, já de regresso a casa com um calor incompreensível, vejo o final da história. Passa por mim uma rapariga de saco da Fnac na mão, com um cão-guia, um labrador amarelo lindo de morrer, a caminho da linha azul.
Começa a história pelas minhas andanças no mundo lá de baixo. Gente e gente, tantos, sempre só de dois géneros, homens ou mulheres. E agora é divertido ver a maneira como as pessoas se vestem com este calor que aterrou por cá - passam umas havainas, lá à frente botas de cano alto, vestidos de praia, lá atrás era um de fazenda cinzenta, sandálias de dedo de fora e acabei de passar por um par de sapatos com collants opacos.
Bom, dizia eu que andava nas linhas debaixo do chão, quando começo a pensar nos cegos. Ultimamente é um universo com o qual tenho tido contacto. Os cegos que não vêem, mas que dizem que sim. Conheci vários ultimamente e as histórias que me contam são fabulosas: os homems imaginam uma mulher bonita, apenas pela voz que ouvem. E o que é uma mulher bonita para si, Vitor? - pergunto eu. Resposta: É alta, loira, olhos claros e cabelos compridos.
Mas eles não vêem, penso eu.
De um grupo de pessoas conseguem dizer muito aproximadamente quantas pessoas são, sentem as vozes e o abafo dos corpos entre os sons. A Maria Helena disse que seriam uns 90, estava certa e disse-me de olhos bem cegos que adora flores. Adora. O Rui leu-nos em braille, os dedos passavam pelos furos no papel e ia escrevendo as palavras no ar da sala.
Eles são mesmo cegos e não gostem que lhes chamemos invisuais. Eles são cegos. Não vêem.
O que será que o cego percebe, se fosse aqui sentado. Não vê o senhor que vai de pé a ler o Público, nem a senhora à minha frente de olhos aguados. Penso. Entra um cego a pedir esmola.
Penso. Saio cá acima, cruzo-me com um cego de bengala. Aprendi que é pelos sons que eles percepcionam o lugar das coisas, onde a bengala toca o som transmite uma coordenada. E assim, andam na rua.
Penso. Entro lá em baixo novamente. O cego ouvia os alemães no banco em frente, sentia o bafo quente desta tarde que inundou os túneis, o passo nervoso dos que correm para as linhas, as conversas que se cruzam no ar entre nós, que vamos calados: "oh Susana, ele não arranjou uma mulher, ele arranjou foi uma segunda Mãe!", "Eu senti, eu senti mesmo ele a vir....", é divertido também.
Penso. Penso que o mundo de escuridão é de facto triste, mas rico em sensações e em sensibilidades. Que ganhando autonomia, podemos ser plenamente nós.
Ir à Fnac? Sim!
E foi aqui que me cruzei com aquela rapariga do labrador impecável na sua função de guia.
Há coisas absolutamente maravilhosas que acontecem no nosso dia.
Andava eu hoje no sub-mundo (metro), vai-vém, vai-vém, a congeminar este texto quando lá no fim da viagem, já de regresso a casa com um calor incompreensível, vejo o final da história. Passa por mim uma rapariga de saco da Fnac na mão, com um cão-guia, um labrador amarelo lindo de morrer, a caminho da linha azul.
Começa a história pelas minhas andanças no mundo lá de baixo. Gente e gente, tantos, sempre só de dois géneros, homens ou mulheres. E agora é divertido ver a maneira como as pessoas se vestem com este calor que aterrou por cá - passam umas havainas, lá à frente botas de cano alto, vestidos de praia, lá atrás era um de fazenda cinzenta, sandálias de dedo de fora e acabei de passar por um par de sapatos com collants opacos.
Bom, dizia eu que andava nas linhas debaixo do chão, quando começo a pensar nos cegos. Ultimamente é um universo com o qual tenho tido contacto. Os cegos que não vêem, mas que dizem que sim. Conheci vários ultimamente e as histórias que me contam são fabulosas: os homems imaginam uma mulher bonita, apenas pela voz que ouvem. E o que é uma mulher bonita para si, Vitor? - pergunto eu. Resposta: É alta, loira, olhos claros e cabelos compridos.
Mas eles não vêem, penso eu.
De um grupo de pessoas conseguem dizer muito aproximadamente quantas pessoas são, sentem as vozes e o abafo dos corpos entre os sons. A Maria Helena disse que seriam uns 90, estava certa e disse-me de olhos bem cegos que adora flores. Adora. O Rui leu-nos em braille, os dedos passavam pelos furos no papel e ia escrevendo as palavras no ar da sala.
Eles são mesmo cegos e não gostem que lhes chamemos invisuais. Eles são cegos. Não vêem.
O que será que o cego percebe, se fosse aqui sentado. Não vê o senhor que vai de pé a ler o Público, nem a senhora à minha frente de olhos aguados. Penso. Entra um cego a pedir esmola.
Penso. Saio cá acima, cruzo-me com um cego de bengala. Aprendi que é pelos sons que eles percepcionam o lugar das coisas, onde a bengala toca o som transmite uma coordenada. E assim, andam na rua.
Penso. Entro lá em baixo novamente. O cego ouvia os alemães no banco em frente, sentia o bafo quente desta tarde que inundou os túneis, o passo nervoso dos que correm para as linhas, as conversas que se cruzam no ar entre nós, que vamos calados: "oh Susana, ele não arranjou uma mulher, ele arranjou foi uma segunda Mãe!", "Eu senti, eu senti mesmo ele a vir....", é divertido também.
Penso. Penso que o mundo de escuridão é de facto triste, mas rico em sensações e em sensibilidades. Que ganhando autonomia, podemos ser plenamente nós.
Ir à Fnac? Sim!
E foi aqui que me cruzei com aquela rapariga do labrador impecável na sua função de guia.
Há coisas absolutamente maravilhosas que acontecem no nosso dia.
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