Conversas do Divã #7
"Em África uma coisa é verdade ao amanhecer e mentira pelo meio-dia e não devemos respeitá-la mais do que ao maravilhoso e perfeito lago bordejado de ervas que se vê além da planície salgada crestada pelo sol."
Ernest Hemingay, Verdade ao Amanhecer (True at First Light)
A Mentira.
Poderia a humanidade ser o que é hoje, se a mentira não existisse?
Reformulando a pergunta: se todos dissessemos a verdade e nada mais que a verdade, estaríamos no exacto ponto onde nos encontramos? Com as nossas famílias, nas nossas casas, nas nossas relações, nos nossos circuitos?
Aquilo que hoje tanto se advoga, em que tanto se empina o nariz com o "digo tudo o que penso" não será um claro sinal de falta de inteligência?
Não se deve dizer tudo o que se pensa.
Se o mundo dissesse tudo o que pensasse estávamos reduzidos ao homo sapiens-sapiens, a caçar javalis e a cozer caldos de nabos (mas com a companhia de um cão, é verdade).
A mentira fez-nos chegar onde estamos, a mentira como um mecanismo de defesa e não como um pecado mortal.
São ferramentas de sobrevivência, assim como um reflexo que nos protege além de proteger aqueles de quem mais gostamos.
Se pensarmos bem, só mentimos a quem gostamos, a quem não queremos saber se vai lamber sabão ou ter uma crise de diarreia, dizemos o que for e mais um par de botas.
A mentira é como um conservante daqueles que se metem em sumos 100% naturais, para durar mais, para ter mais tempo, para evoluir para um outro patamar.
Não sou a favor da mentira maldosa, traiçoeira, tinhosa. Essa é tóxica.
Falo antes da mentira que nos serve para garantir uma rede de pessoas e de relações que amamos e queremos preservar.
Dando um exemplo muito básico, quando no Natal recebemos um naperon de crochet feito pela nossa Avó, vamos dizer (e porque isto seria dizer o que se pensa): "Oh Avó, que coisa tão pirosa, é que sinceramente isto já não se usa, é feio, fora de tempo, mau mesmo."?
Aquela malta que assume orgulhosamente que diz tudo o que pensa são uns infelizes. Coitados. Não sabem o que dizem.
Inteligencia é saber estar à altura do momento, e se para isso tivermos de utilizar a mentira então ela que saia do buraco. Que fiquemos calados, que façamos um sorriso, que digamos uma mentira.
Saber (de vez em quando) calar o pensamento, guardá-lo para si, dentro de si, não é mentir.
É precisamente o contrário, é ser fiel a si e aos outros.
E em jeito de final, a minha bisavó que se casou com um senhor de nacionalidade britânica e que educou os seus três filhos em colégios ingleses (incluindo a minha Avó paterna), dizia:
"Ask no questions, hear no lies."
Fica a deixa.
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