O que é...?


Todos os anos, o Google anuncia o ranking das palavras pesquisadas no motor de busca mais enciclopédico do mundo. 
Para o ano 2022, em Portugal, no top das pesquisas que começam por "O que...", está a expressão: "O que é a afasia?".
Eu também não quero deixar terminar o ano sem escrever o meu "o que é". 
Afinal, o meu Pai faz parte dessa "estatística".

Em 2016 surgiram os primeiros sinais, e pouco tempo depois o diagnóstico: afasia progressiva. 
Esta foto tem 1 mês. Entre o primeiro embate e hoje, já muito se passou, e tal como a doença diz, é progressiva. Nada de muito bom, nada de muito animador.
Mas na ausência de palavras, há tanto.

Passamos algumas tardes assim. Eu levo o meu computador, para trabalhar, e o meu Pai fica ao pé de mim. Em silêncio. Às vezes senta-se mesmo ao meu lado. E ficamos os dois assim.
O Flash também se junta.

Falamos imenso. Respiramos fundo, deixamos o barulho das árvores do jardim entrar e apreciamos a calma de uma casa vazia. 

Isto é a afasia:

- dar longos abraços, na tentativa de juntar o meu coração ao peito do meu Pai
- olhar nos olhos e dar as mãos, sentindo o seu calor ou, por vezes, o frio
- tocar na cara e sentir a barba mal feita, sorrir
- bocejar e dar uma gargalhada
- oferecer um bombom e partilhar o prazer do chocolate 
- cortar fatias de queijo fininhas como ele gosta
- respirar fundo 
- dar as mãos mil vezes 
- ouvir o silêncio 
- sentir a beleza do indizível
- oferecer uma cadeira à dor, para que se sente e não tenha pressa
- criar um glossário de gestos
- dar espaço ao som 
- tocar 
- nunca fugir 
- ficar

O que será não sei, só sei que cada dia conta. O de hoje. 
Não sei se o ano vai ser bom. Nem quero fazer resoluções. Nem planos ou desejos. 
Quero só estar.  
E isso já é tanto.

Bom ano!

(Nota: Publico esta foto do meu Pai, com toda a legitimidade. Ele foi durante muitos anos um grande seguidor e comentador deste Blog. Dizia-me para escrever e sempre que podia comentava. Há dezenas de posts com comentários dele. Especialmente quando estive em Moçambique. Sempre foi um entusiasta da escrita e da verdade. Que se falasse de tudo e não se escondesse nada.)

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