Novos Começos


O mês de Abril é para mim sucessivamente, desde há alguns anos, o mês dos novos ciclos. Assim como se houvesse um Borda d'Água da vida - em Abril é tempo de sementeira da ervilha e do repolho, mas em vez disso, é altura de morrer um bocadinho por dentro e renascer.

A Primavera ajuda, evidente. Os dias longos, as andorinhas, o cheiro a calor.

A trajetória evolutiva da vida - a tal em que, consistentemente, procuramos uma harmonia com o espaço e o tempo, é-me rica nos meses de abril. Se fizer o exercício, facilmente marco este mês em momentos chave da minha vida.

E hoje, em pleno abril, atinjo a mesma epifania: estou a recomeçar, foi preciso ir ao fundo, revirar o avesso e emergir. É altura dos novos começos. As pequeninas mortes internas, aquilo que perdemos e pelo qual fazemos o luto, dá lugar à luz imensa, ao esplendor do amor e do que é leve. 

O meu coração levita, frágil como uma papoila, é verdade, mas levita. Ele sabe que todos os dias são milagres. Todos os dias são milagres. Nego o fatalismo, veementemente, e nestes dias tive a prova disso. 

Qual fatalismo? 

A vida é, depois já não é, dá e depois tira, vive-se por um amor, morre-se por um desamor, joga-se, brinca-se, chora-se, rimos. A cadência, a elétrica cadência dos crentes, dos milagreiros, dos que fazem nascer milagres. E acreditam, e confiam. 

A força de recomeçar é feita de energia bruta. 

Bem-vindo, Abril.


Ainda temos tempo para nascer, e esse é o presente mais surpreendente: a arte de recomeçar. É importante lembrar-nos que as formas de recomeçar não são padronizadas (...). Novos começos difíceis não significa necessariamente novos começos impossíveis ou, de alguma forma, fora de alcance. Uma das coisas mais valiosas da nossa trajetória espiritual é a certeza de que estamos sempre a tempo de recomeçar. 

Cada ciclo, cada estação, cada momento nos coloca diante do dever de testemunhar isso. Bem-aventurados aqueles que se arriscam a viver assim (...). São eles que, mais cedo ou mais tarde, negam o fatalismo e se tornam as parteiras de um milagre. Aquele milagre que equivale ao verbo «recomeçar» a uma espécie de nascimento. E isso equivale o verbo «nascer» a acreditar.

— Cardeal D. José Tolentino Mendonça (11 abril 2024)

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