Sejam anjos




'Life is long if you know how to use it', assim escreveu o filósofo Séneca.

'We do have enough time. Life is long, if we listen to ourselves often enough, and look up', reforça o explorador Erling Kagge (no livro Silence in the Age of Noise).

'Não é que vida não seja comprida, ela podia ser um bocadinho mais larga', dizia o meu querido Pai. Viver a vida, é aceitar que ela traz um 'pacote', onde lá dentro tem coisas muito duras, e muito belas. Isto diz, mais ou menos assim, a Patti Smith. Vivemos as perdas que nos tiram a força das pernas, mas vivemos a beleza de ver um filho crescer, ou um pôr-do-sol, ou um bonito luar. 

Nascemos, e nesta passagem pela Terra, não viemos para mudar nada ou alguém, só viemos para acordar, afirmou Buddha. Amar e ser amado, deixarmo-nos amar, e amar o outro na verdade, e é o amor e a verdade que nos libertam, foram as palavras que se escreveram na Bíblia sobre Jesus Cristo, o salvador. 

O mistério da vida é absoluto, e é cada vez mais presente a necessidade de levar as coisas com leveza. E de beber cada instante. De cada pedaço de caminho. Como a fita de uma cassete, ela vai gravando e avançando. Não dá para fazer rewind, nem gravar por cima. É tudo num sentido.

Elaboro o luto do meu irmão, ao mesmo tempo que ainda faço o do meu Pai e do Flash. Tudo passado, a cassete já passou por aí. Não vai lá voltar. Tanto isso, como momentos incrivelmente felizes. A viagem que fiz durante duas semanas até Istambul, a seguir os carris do Expresso do Oriente, e há 15 dias ter assistido ao concerto do Nick Cave & The Bad Seeds. Julgo jamais ter visto um concerto tão estrondoso, uma banda de excepção, músicos incríveis, e ele - um homem que dá amor, e que se dá todo ao público, inteiro. Só verdade em cima do placo. Qualquer coisa de transcendente aconteceu em quase três horas de concerto. 

Outro palco subi eu, também em outubro, para apresentar a peça que fechou o primeiro ano do curso de Teatro. Com o amor de todos, cada um por si e todos por cada um. Teatro é verdade - nada é a fingir. Fui tão feliz naquelas duas noites. Do fundo do escuro, voltei à luz. Ver sofrer as pessoas que mais amamos é um terror. Hoje sei que não existe dor maior do que essa. Mas hoje também sei que um tempo depois é possível sorrir, rir, divertir-me. E ser um bocadinho feliz outra vez. 

Parece que é isso a vida. Ela é longa. Ela chega para viver tudo o que temos de viver - é precisamente o tempo certo. Disso não tenhamos dúvidas. Mesmo na agrura, no exaspero. É vivê-lo. A fita da cassete passa, não volta lá. Para o mal, e para o bem - e é aqui, no bem, que se torna tramado. A vontade de fazer Pause e eternizar a emoção - quero viver aquele momento eternamente. Ficar naquela emoção contínua - como uma trip! 

A vida tira, mas dá muito, também.

A vida é longa se soubermos vivê-la. Talvez seja esta a nossa missão, ao passar por este momento de vida terrena - é saber vivê-la. E porque estou absoluta fã do Nick Cave, copio e colo um excerto que ele partilhou na página dos Red Hand Files.

«Angels can fly because they take themselves lightly. Solemnity flows out of men naturally, but laughter is a leap. It is easy to be heavy, hard to be light. Satan fell by the force of gravity. Moderate strength is shown in violence. Supreme strength is shown in levity».

G. K. Chesterton


É fácil ser pesado, o difícil é ser leve. Então que vivamos esta vida, plena, e que sobeja, com leveza - os anjos voam porque tomam-se como leves. 

Sejam anjos ;-)

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