Afinal, a vida é uma boa piada
Cresci numa família onde a comédia era uma coisa levada muito a sério.
A minha Avó, mãe do meu Pai, foi educada em Inglaterra e o humor dela era muito peculiar. Esse 'choque' tive-o quando, pelos meus 8 ou 9 anos, ela enviou-me um postal de parabéns do Luso, onde estava a passar uns dias numas termas, com o meu Tio, o filho mais novo.
No postal viam-se dois cisnes num lago, e ela escreveu algo assim: 'mando-te os parabéns deste lugar onde podes ver nós os dois a nadar neste lago lindíssimo'. Aquela senhora que eu via como pouco simpática e carinhosa, afinal não se levava muito a sério.
O meu Pai contava que, em miúdo, quando ia ao Circo no Coliseu dos Recreios, o que mais gostava era os palhaços - ele queria ter sido palhaço. Mais tarde, quando começou a ir à revista no Parque Mayer, dizia que o que mais gostava era ver como os actores e as atrizes se divertiam muito, e a inveja que ele tinha dessa liberdade da gargalhada, numa época em que tudo era muito chato, muito cinzento e aborrecido.
Claro que eu cresci com apenas dois canais: RTP 1 e 2. E havia também dois momentos em que, em frente à televisão, se fazia silêncio: para ver O Tal Canal, e ouvir o Agostinho da Silva.
Assim, crescemos o meu irmão (3 anos mais velho) e eu, com esta base de humor e um sentido de humor muito semelhante. Com o mesmo registo, riamos das mesmas coisas. Eu fazia o João rir, e ele a mim. O meu Pai era um palhaço! Fazia caretas, imitava as pessoas, era brincalhão e ria-se dele próprio a fazer os outros rir. Não digo que fosse sempre assim, também tinha os seus humores menos frescos e leves. Mas adorava 'reinar', como dizia. No dia 1 de maio de 2023, o meu Pai partiu.
O João e eu partilhávamos o sentido de humor e consumíamos o mesmo: Monty Phyton, Herman, Seinfeld, etc. Muitas frases, sketchs, expressões faziam parte do nosso glossário comum, Manual de Humor entre dois irmãos.
No dia 1 de julho de 2024, o João partiu. Cedo de mais. Meio trágico e muito triste.
Com ele foi o meu interlocutor, a minha contracena, o meu irmão do riso. Desde então comecei na busca de um sentido, uma composição lógica de argumentos - não há nenhuma lógica, nem nenhum argumento.
Resta-me o humor - pode ele dar sentido a isto? Revejo séries, sketchs, filmes e revisito gargalhadas e risos. E assim tem sido, até me ter cruzado com uma Oficina de escrita de humor que vou começar esta semana, com o Ricardo Araújo Pereira.
Num ano, perdi o meu Pai e o meu irmão, mas não perdi o sentido de humor. Antes pelo contrário. Refinou-se e tem sido a ferramenta para lidar com tanta tristeza. Rio-me de tudo e torno (quase) tudo objeto de riso.
Recuso-me a vestir um manto de medo, prefiro o de um Bobo.
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