Desastres de Rita

É oficial, e reconheço-o como um defeito meu e que tanta angústia me tem dado.
Principalmente desde que viemos para Moçambique, para um sítio que nos põe demasiado a nu, expostos, em tudo o que temos de bom e de mau. E comigo aconteceu precisamente isso, naquilo que eu tenho de pior…

Sou desastrada. Desajeitada. Tenho duas mãos esquerdas. Bruta e pouco amiga da sensibilidade dos aparelhos tecnológicos, esses cada vem mais sensíveis, mais touch-high-tech-screen-view-pixel-etc…

O mais engraçado é que os adoro! Acho o ipad um espectáculo, aquilo é verdadeiramente lindo e apetece-me dar-lhe festinhas e trazê-lo para casa. O iphone a mesma coisa, os ipod, as máquinas fotográficas, e tudo mais o que torna os nossos sentidos tão apurados e quase únicos.
Mas a verdade é que eu deveria ter vivido na idade do bronze, ou quanto muito chegar ao tempo dos vikings; aliás quando li os “Pilares da Terra”, achei que 1200, por volta da Idade Média, seria muito bom. Tudo era feito à base de pedra, madeira, cordas e quanto muito tachos de barro, o que dava uma margem muito boa para as minhas mãos de bestinha e a minha cabeça aluada.
Sofro de uma espécie de esquizofrenia-tecnológica, gosto daquilo tudo, mas assim que me apanho com uma coisa dessas na mão, esqueço-me de quanto amor e estima eu sinto e de quanto aquilo contribui para a minha felicidade (sinceramente que contribui – basta dizer que para escrever todos os dias, como o faço hoje, preciso do computador como pão para a boca e mesmo assim…)

Mas afinal, do que se trata, pensam vocês, caros leitores?

Desde a minha chegada a Moçambique já vou na segunda vez que estrago do Auto-Focus da lente da máquina fotográfica e na segunda vez que estrago o meu computador – tudo por culpa desta minha cabeça de vento… esqueço-me do sítio onde guardo as coisas, deixo-as cair ao chão (é o que acontece a maioria das vezes), ponho as coisas nas malas dos carros e faço viagens de 120km de buracos e lombas, etc…

É uma vergonha e é uma coisa que me deixa profundamente triste. Gostava de deixar de o fazer, como se para isso houvesse uma daquelas clínicas “não fumo mais” mas antes seriam clínicas de ajuda aos desastrados incorrigíveis: “não estrago mais”, ou uns patchs ou umas pastilhas elásticas que nos dessem a destreza de evitar estes desastres que eu provoco, e que repito, tanta mágoa me dão.

A “vítima” que se segue foi a minha máquina fotográfica que eu deixei num sítio pendurada e que caiu ao chão passados 2 minutos. A lente não funciona. Sendo que isto já se tinha passado em Outubro. Há duas semanas foi o meu computador. Consegui arranjá-lo em Pemba, mas coitado, acho que nunca será o mesmo.

Vou assumir que nunca mais quero nada disto, não posso ter isto. O máximo em que eu deveria ter ficado, na evolução da tecnologia, era na máquina fotográfica cor-de-rosa e branca do “My Little Pony”, tudo o que fosse além disso deveria ser-me vedado.
Talvez uma daquelas digitais, pequeninas que cabe bem na mala… Já estou a delirar pois.
A questão mais parva é que eu adoro tirar fotografias, tal como adoro escrever e ir à internet. Mas eu devo ter uma espécie de repelente-de-aparelhos que os afasta de mim. Vou escrever à mão, arranjar uma máquina de escrever, vou tirar fotos com a memória e depois tento talvez escrevê-las.
É tudo o que eu posso dizer…
E como tomei este texto em jeito confissão e de remição dos meus “pecados”, parece que as coisas sempre se compõem dentro do Universo. Assim que comecei a escrevê-lo esta manhã, contei de seguida ao Xano o episódio da máquina que se tinha passado ontem, quando chegamos ao Ibo, mas eu não lhe quis contar logo para não o aborrecer. E como os meus leitores não podem saber das coisas primeiro do que ele, achei melhor aproveitar o meu sentimento de culpa e contar-lhe de seguida. Tanto que ele assim que me viu a escrever perguntou logo o que é que eu tinha, tal devia ser a minha cara de ovelha acabada de tosquiar.

Contei-lhe, ele ficou calado e pediu para ver a máquina. Enquanto eu continuava a escrever este texto, ele andava com a máquina a ver o que se passava e poucos minutos depois entregou-me a máquina a dizer: “Já está boa”. Sendo que, apenas para informação, eu sou casada com o “deus” dos dedos delicados, das mãos de ouro, do “estraga-zero” – tanto que ele tem umas mãos lindas, e não acho que seja coincidência.

Mas a verdade é que apesar de adorar a minha máquina, eu não me senti melhor por ela estar boa, até fiquei mais envergonhada e com vontade de me penalizar ainda mais. Então disse-lhe que a partir de hoje a máquina é dele, e tudo o resto que nos rodeia e que envolva a electrónica facilitadora de vida.

Vou-me tornar numa eremita da tecnologia – o que numa ilha que não tem luz nem nada, não me parece ser má escolha. Vou-me dedicar ao patchwork (já vi aqui uma loja que vende tecido de capulana a metro), a fazer pão e bolos e a escrever cartas ao som da grafonola. Começar a pastar cabras está a um passo de distância, e eu até lhes acho tanta graça.

Comentários

João disse…
Do que tu precisas é de um bolsa para a máquina!!! Mas das boas. Se quiseres ficas com a minha que já não uso, é de usar na cintura e não tirar!!!
Anónimo disse…
Para a frente é que é o caminho ......com algumas cambalhotas................. pelo meio.

Beijos e abraços.

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