A minha Vida do Eu

Este texto vem em jeito de recado, e ao mesmo tempo de um outro tema que nada tem a ver com Moçambique ou com África. É bom também, este afastamento. Pois África nos consome e nada mais importa. São tantos os sinais que nos chamam, é tamanha a diferença entre este e o meu mundo, ocidental, europeu, que passo os dias, as horas e os minutos e absorver todos estes novos estímulos.

Se por um lado tenho uma imagem, tão presente, de estar a comer um éclair de baunilha na Versalhes com um Sumol de laranja (a conjugação perfeita!), ou a apanhar o metro entre a cidade, ou em casa sob a luz alaranjada a ver a chuva lá fora, na rua a passear o Flash, na auto-estrada até Cascais, nas Amoreiras a almoçar com amigas ou na Fnac a mergulhar nos livros e na música… por outro, vejo-me próxima das cabanas de matope (lama) e tecto de colmo, das crianças pequeninas com os garrafões de óleo de 5 litros na cabeça que agora servem para encher de água, dos vendedores de ovos cozidos, pacotes de bolachas, chamusas de batata e galinhas vivas, de mergulhar num mercado local, com as montanhas de bananas, ananás, manga e mandioca, do cheiro do peixe seco, da terra depois de uma chuvada tropical, da cor dessa terra, dos pássaros com que me perco no céu, da lua cheia (que nunca vi outra tão bonita), do por do sol (que não deve haver outro tão bonito) e da trovoada digna de uma Ópera de Wagner.

O meu recado é, meus caros leitores: eu tenho a sorte, a sorte de ter tido a opção de escolher. Sei o que é a “outra” vida e agora vivo esta “nova vida”. Escolhi, eu e a minha cara-metade estar agora por aqui. Escolhemos. Tenho estado a matutar neste assunto, o de ter o privilégio da escolha. Quando talvez a maioria acaba por se levar por um destino premeditado, acabando por não escolher muita coisa… indo pelos passos de um “Sistema”, de uma Sociedade. Sair desse “Sistema” é uma escolha arriscada, quase impensável. Mas nós tomamos esse passo. E agora sim, podemos dizer, que somos nós que comandamos a nossa vida, e escolhemos este momento. Nada, nem ninguém nos trouxe até aqui, senão apenas nós os dois. Mas isso, da forma mais pura como o estamos a viver, não pode deixar de nos causar alguma ansiedade, medo e até confusão. Há dias em que nos sentimos tão perdidos como uma minhoca dentro de uma casa com chão de cimento. Atarantados à procura de uma solução, de uma saída que alguém já a possa ter pensado – mas a solução afinal somos nós. A escolha foi nossa.

Sem querer levantar polémicas, nem alterar as vidas de cada um, que pela cidade e pelo mundo ocidental se quedam, experimentem então, nas pequenas coisas, usar a vossa opção de escolha. Sigam o caminho de um outro destino, que é sempre vosso.
Mas também tudo se consolida e acontece porque temos um outro factor do nosso lado, que é também ele precioso: o tempo.

Agora, e por falar em tempo, mas que não tem nada a ver com isto, e é a segunda parte deste texto, é a minha paixão assumida por cadernos e caderninhos (até no Malawi consegui comprar dois cadernos de notas) e pelas Agendas!

A minha primeira Agenda foi, naturalmente, e muitos da minha geração dos 33 sabem do que falo, “A Minha Agenda - 1987”. Tinha 10 anos e andava no 5ºano do Liceu. A partir daí foram agendas filo-fax, moleskines, e agora, mais recentemente, para 2011, a Agenda mais minimalista que alguma vez tive e que comprei em Nova Iorque (um outro texto a considerar, destes de aliviar a densa atmosfera africana que consome tudo). Mas também este ano há uma outra Agenda, a Agenda da “minha” Companhia do Eu, e que tem em todos os meses textos dos alunos e amigos da minha Escola da Vida, da Universidade das Letras do Pedro Sena-Lino e de todos os que a preenchem de criatividade e de toneladas de escrita partilhada. Este ano, eu escrevi um texto para o mês de Outubro. Apesar de estar a chegar ao fim o primeiro mês do ano, acho que ainda a podem encontrar à venda.

E para terminar, seguem estas linhas para quem as sabe.

Meus amigos, meus irmãos de escrita, minhas mãos que me faltam a cada semana – estou cheia de saudades vossas. Neste momento abro a porta da Companhia e entro na nossa sala. Trago amêndoas torradas, iogurtes, bolachas, o costume, vocês sabem, e sento-me no nosso círculo de palavras. Sei como é que cada um escreve, e vejo-o perfeitamente, a posição da caneta no papel, da cabeça e da mão, o barulho da criatividade entre as paredes. No final do elo está o Pedro, de casaco de malha, ou blazer, t-shirt por baixo, calças de ganga e ténis; quando ouve os nossos textos, tira os óculos com as duas mãos, dobra-os e baixa um pouco a cabeça, porque ele não precisa de ver as palavras, ele apanha-as no ar com a sua rede mágica e joga com elas, dá-lhes asas, enche-as de espírito e de um universo infinito, e devolve-as à sala, onde continuamos sentados no nosso circuito tão íntimo.

Que todas as Áfricas te paguem, meu mestre, o prazer que a escrita me dá, porque tu a fizeste parte de mim.

Comentários

Anónimo disse…
Há muito tempo que não escrevo mas pode ver-se que a escrita é uma grande âncora. Bem Haja para todos os que te ajudaram a encontrá-la.

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