Luís

 
 
 
 
 
Tem o jeito de um segurança, que é segurança por ser seguro ganhar algum dinheiro, e levar para casa o resto do dia que não se viveu, talvez guardá-lo e levá-lo outra vez no dia seguinte.
Não é simpático, nem é carrancudo. É o Luís. Como todos os Luíses que nunca gostaram de estudar, que nasceram por acaso e cresceram no meio das coisas, da vida que acontece, sem que alguém lhes faça um plano, lhes trace um caminho e os Luíses que assim vivem, vão crescendo aos bocados, naquilo que conseguem agarrar, no pouco que a vida é para quem não espera nada por ela.
Chegou aos 35 anos nem sabe como, casou nem sabe com quem, nasceram bebés, houve consultas de urgência, idas à farmácia, dinheiro que não pagava receitas, comida que inchava no estômago, natais, verões, páscoas, uma casa, televisões, cheiro a refogado, tapetes de pêlo fofo, estores húmidos, sofás em napa, azulejos até meio da parede, mesa de casa de jantar e oito cadeiras. Até ali houve tudo isso, e no dia seguinte vai continuar. É a vida. A vida.
Apanha camioneta e barco, todos os dias. Ao fim de semana vai ao Fórum Almada, bebe café porque bebe, fuma porque fuma, não pensa porque não se pensa.
Muda de carro, muda de tapetes do carro, muda de escovas do pára-brisas, muda de jantes. A mulher é a mulher, porque sim. Os filhos vão crescendo pelo corredor de azulejos até meio da parede, encostados um ao outro, descalços, sem fazer os trabalhos de casa, a ver televisão, com os dedos cor de laranja, a cheirar a Cheetos e a beber ice tea pelo pacote.
O Luís nasceu porque nasceu e os filhos assim nasceram.
A mulher deve ser a mesma coisa.
O Luís não percebe porque, sistematicamente, quando passa pelo átrio da Estação do Cais do Sodré, pára e olha para as escadas com um corrimão tão alto, o tecto, que é feito às tiras, as luzes e o chão cinzento.
Alguém deve ter feito aquilo assim, daquela maneira, que lhe parece bem, até bonito. Assim como no Fórum Almada, os tectos são altos, deve ser por isso, talvez aquele lugar lhe lembre os fins de semana, porque também passa ali muita gente, há muito barulho.
Aquele lugar é assim porque é assim, e o Luís também. 

Comentários

Anónimo disse…
Os enormes universos que a maioria não faz ideia.Muita bem.Dá prazer entrar nesses universos.
a mim desassossega-me! O que não é necessariamente mau, pelo contrário... ;-)

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