Deixai sofrer!

Nunca se viveu uma época de tamanho culto do positivismo. Eu própria fui engolida por essa nova religião.
Em tudo na vida só se pode ver o lado bom! Ser positivo. Ver sempre o outro lado. Nunca quebrar. Não ceder. Tenho ideia que quando o Martim tiver 20 anos, ver alguém a chorar ou a queixar-se de ter um dia de merda, é como hoje conhecer alguém que não tenha um smart phone (os meus Pais têm telemóveis com teclas, sem internet, nem tão pouco possibilidade de enviar /receber fotos – são uns quase fósseis do neolítico superior). Não ser positivo vai ser (se não já o é) completamente “fora”. Vai ser mal visto, desconsiderado, condenado.

Ontem morreu um miúdo de 16 anos na estrada da marginal, em frente aos Salesianos do Estoril. Ia de mota (sem capacete). Só penso naquela Mãe. “Cada um tem o seu destino traçado”, “O que tem de acontecer, acontece.”… Sim, ok, mas é tudo uma grande merda, não? E essa Mãe tem o direito de sofrer e chorar e irritar-se com o mundo, Deus, o Universo…

Um casamento acaba. Uma entrevista de emprego não resulta. Um amigo com quem se perde o contacto. Um carro que se atira numa curva. Uma doença inesperada. “É porque tinha de ser, estava destinado. É assim, a vida segue.”

A vida segue, sim senhora, mas pode-se sofrer um bocadinho ou temos logo de exorcizar e sacudir as cinzas para as ondas?

Deixai sofrer quando é tempo para sofrer. E chorar. E achar que é tudo uma grande merda. Porque às vezes é mesmo.

O viver esse momento, não implica a extensão desse estado por largos anos. Mas podem ser umas semanas, uns meses. As pessoas têm de ter o direito de praguejar e reclamar, e chorar e de insultar.

Deixai sofrer!