Existe um céu (?)

 


Haverá sempre, mesmo no mais aborrecido dos dias, a suposição de uma ideia de que, talvez, exista um céu. 

Sem que ele seja limite, mas sim a continuidade de uma coisa que de matéria passou a imaterial. Ou não. Existe um fim, como seja um céu, ou um tecto. Chegou ao seu limite. E no seu fim, se acaba. Pragmático, também ao meu gosto, mas não me convence. 

Há pouco mais de um mês deitamos as cinzas do meu Pai no mar. E uma semana depois as cinzas do Flash ficaram no jardim de casa dos meus Pais. Regresso a casa, de cinzas espalhadas pelo mar e pela terra, missão cumprida. Quem se cumpriu filha ao lado de um Pai, amiga ao lado do seu cão. 

Existe um céu?

No dia em que fizeram a eutanásia ao Flash, só comigo e a veterinária na sala, repetia dentro de mim: existe um céu dos cães! A beleza do silêncio daquele momento em que o meu cão fechou os olhos - amigo de uma vida, minha sombra negra,  minha presença inabalável, meu olhar mudo que falava comigo todos os dias. E os sete milhões de segundos de 15 anos de vida para onde foram? Foi mesmo o fim?

«Fim» é uma espécie de luto, mas com um toque de Hollywood, como nos filme: 'the end'. Simplifica, pragmatiza. Dizer «é o fim», acabou-se, é muito mais fácil. Pensar sobre o que será exatamente o fim, para cada um de nós, é o que me pode dar um tempero aos dias que se seguem, uns aos outros.

Como a Filosofia me ajuda a perceber tanto, procurei-a para uma conversa muda. E a resposta ali está: Santo Agostinho. Curioso que li uma parte de uma oração de Santo Agostinho no dia em que deitamos as cinzas do meu Pai. Eu sabia que era ali que estava a chave. Chamam-no o "Platão cristão".

«Desejo conhecer Deus e a alma. E nada mais? Nada mais, absolutamente». Eu, Rita, sigo pela alma. A Alma que Santo Agostinho ainda refere com a verdade, que é interior e transcendente ao Homem. Mas acrescenta: «a verdade não é a alma, mas a luz que do alto guia e chama à sinceridade do reconhecimento». 

O reconhecimento é a presença. É a existência para lá de nós mesmos. É o céu. A alma subsiste e o "céu" é onde podemos encaixar. Pode ser o céu, o fundo do mar, o alto de uma montanha. Reconhecer a presença desafia-me a pensar no que verdadeiramente acaba. O meu Pai não está na terra, o Flash também não. 

Não posso ouvir o meu cão ladrar ou amassa-lo de festas, não posso ver a cor azul dos olhos do meu Pai, nem sentir o abraço que era o melhor do mundo. Mas há luz nessa memória e nessa saudade, há reconhecimento no corpo que passou por aqui. O resto subsiste num céu, que eu estou a construir, feito das minhas almas, que as vejo e sinto. 

Há um céu livre de cada um. Isto a mim consola-me e encontro-me aqui, hoje, com essa verdade. Nunca resoluta, mas sempre viva e sedenta de espanto. 



Como o meu Pai e o meu Flash. 


Nota: no meu céu, haverá sempre árvores, embondeiros, água, um ar morno e o toque de charme com uma pitada de melancolia ❤

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