Africa Blues
Quem ama não se cansa de amar. Seja o que for - pessoas, animais, lugares, paisagens, cheiros. Eu gosto de gostar (frase da Helena Sacadura Cabral, mulher sábia). E acrescento: Eu gosto de amar.
Quando o foco desse amor se ausenta, desaparece, morre, fica para trás, retira-se, perde-se - vem aquela melancolia, como uma ternura que em tudo continua a ver amor.
Por estes tempos, no Ibo, os dias são de terror. Os expatriados foram todos retirados da Ilha, os locais não conseguem sair; há militares e recolher obrigatório, há insurgentes (radicais) nas Ilhas de Quissanga e Quirimba, que ficam à distância de uma caminhada na maré baixa. No porto de Tanhangane, onde apanhamos os barcos chapa para as Ilhas, roubaram carros, queimaram, assaltaram, deram-se tiros. Um amigo nosso permanece, não abandonando o Hotel, de que é proprietário, nem deixando para trás a família, que é local. Outro levou um tiro numa perna e tenta chegar a Pemba. As comunicações são más.
O Ibo é o lugar onde o meu coração se deita para dormir - descansa de tudo e fecha os olhos. O corpo liga-se à terra. O coração levita. Onde preciso de muito pouco, só o tal banho de água fria ao final do dia.
Esta foto, tirada por mim, é num desses finais de dia. Sem relógio, nem eletricidade. Só se ouviam pássaros, às dezenas, e chegava a hora dos morcegos. Dormi várias vezes sozinha, numa casa de luz limpa.
Hoje tudo isso é impensável, inconcebível, insano. Só quero voltar, mas não posso voltar.
A melancolia atravessa-me o coração. Coitado, ele que anda tão inquieto. Dou-lhe música, ouço blues de manhã à noite. Ouço de tudo. Aos (quase) 47 apaixono-me pela Janis Joplin que morreu aos 27. Ouço Beatles, e canto, tal como no verão dos meus 17 anos, em Inglaterra. Ouço Supertramp, como quando tinha 7 anos, com o meu irmão, em casa dos meus primos.
Na minha trajetória evolutiva, construo um caminho, só feito de amor - as pedras são as pétalas das camélias que crescem, e caem, no jardim da minha Mãe. Entrego-as.
Há tanto de bom nesta vida, e tanto de horrível. E seja em blues ou no rock, essa é a beleza de estarmos vivos.
Comentários