Manta de Retalhos - Maria Helena
Mais uma vez dedica-se o Bolo de Arroz aos velhos. Desta feita, a Maria Helena. Conheci-a num passeio de barco pelo Tejo. Estava toda contente, junto à proa, com as mãos a agarrarem um sorriso aberto e sincero. Vi-a e quis logo saber se talvez seria a primeira vez que andasse de barco.
"Não." - disse-me ela - "É que lembra-me quando ia para os Açores com os meus Pais..."
Maria Helena mora em Caselas, tem 80 e poucos anos e é toda enxuta e pequenina. Este dia era um dia feliz para ela. Lembrava-se do seu marido, já falecido há 40 anos.
"Eramos tão apaixonados."
O Pai era militar e a família de Maria Helena mudou-se para o Faial. Lá, ela conheceu o marido que tinha uma casa de cortes de fazenda. O Pai opôs-se ao namoro, porque ela era uma menina do Continente. Já ele era louco por ela, e na incerteza da bênção do sogro para aquela união, disse-lhe um dia: "Fugimos os dois e casamos. Vamos fugir, Maria Helena?!"
Não foi preciso fugir porque acabaram por casar cá em Lisboa. Tiveram filhos, mas esses estão fora da capital e Maria Helena mora sozinha num apartamento pequenino. Todos os dias tem uma combinação com a vizinha - se até às 9h30 ela não abrir o estore da janela do quarto, a vizinha pode e deve entrar em sua casa, para o caso de haver algum azar.
E o amor?
"Eramos loucos um pelo outro, ainda hoje nunca fui capaz de gostar tanto de alguém como dele."
Descemos do barco e com ela iam mais umas velhotas, amigas do Centro do Dia, com quem Maria Helena passa as horas devagar.
A viagem até aos Açores tinha sido curta, mas serviu para sentir a cor do mar azul que banhava os olhos da menina lisboeta que se iria apaixonar por um ilhéu.
Os últimos anos 20 anos da nossa vida servem para reforçar os primeiros 20. Tenho notado isso de uma maneira sistemática. Idos os filhos já criados, os anos de trabalho e de dificuldades, mudanças de casa e de emprego, fica aquilo que eramos antes de tudo existir.
Os hábitos genuínos, os medos, as angústias, as manias, os sentimentos - aquilo que nunca deixou de estar cá dentro, mas que durante uns anos andou adormecido.
Naturalmente, não podemos andar a avisar as pessoas que até aos 20 anos têm de notar bem aquilo que são, porque muito provavelmente é o que lhes irá revelar os últimos anos da sua vida.
O ciclo fecha-se assim, retomando o seu início.
É por isso que gosto de velhos. Da mesma maneira que gosto de coisas arrumadas e redondas, como um donut (pode ser o chocolate frosted da dunkin donuts...!).
Por que estão a completar-se e por isso a viver as "dores de crescimento".
Uma última vez.
Foto: Jardim Gulbenkian
"Não." - disse-me ela - "É que lembra-me quando ia para os Açores com os meus Pais..."
Maria Helena mora em Caselas, tem 80 e poucos anos e é toda enxuta e pequenina. Este dia era um dia feliz para ela. Lembrava-se do seu marido, já falecido há 40 anos.
"Eramos tão apaixonados."
O Pai era militar e a família de Maria Helena mudou-se para o Faial. Lá, ela conheceu o marido que tinha uma casa de cortes de fazenda. O Pai opôs-se ao namoro, porque ela era uma menina do Continente. Já ele era louco por ela, e na incerteza da bênção do sogro para aquela união, disse-lhe um dia: "Fugimos os dois e casamos. Vamos fugir, Maria Helena?!"
Não foi preciso fugir porque acabaram por casar cá em Lisboa. Tiveram filhos, mas esses estão fora da capital e Maria Helena mora sozinha num apartamento pequenino. Todos os dias tem uma combinação com a vizinha - se até às 9h30 ela não abrir o estore da janela do quarto, a vizinha pode e deve entrar em sua casa, para o caso de haver algum azar.
E o amor?
"Eramos loucos um pelo outro, ainda hoje nunca fui capaz de gostar tanto de alguém como dele."
Descemos do barco e com ela iam mais umas velhotas, amigas do Centro do Dia, com quem Maria Helena passa as horas devagar.
A viagem até aos Açores tinha sido curta, mas serviu para sentir a cor do mar azul que banhava os olhos da menina lisboeta que se iria apaixonar por um ilhéu.
Os últimos anos 20 anos da nossa vida servem para reforçar os primeiros 20. Tenho notado isso de uma maneira sistemática. Idos os filhos já criados, os anos de trabalho e de dificuldades, mudanças de casa e de emprego, fica aquilo que eramos antes de tudo existir.
Os hábitos genuínos, os medos, as angústias, as manias, os sentimentos - aquilo que nunca deixou de estar cá dentro, mas que durante uns anos andou adormecido.
Naturalmente, não podemos andar a avisar as pessoas que até aos 20 anos têm de notar bem aquilo que são, porque muito provavelmente é o que lhes irá revelar os últimos anos da sua vida.
O ciclo fecha-se assim, retomando o seu início.
É por isso que gosto de velhos. Da mesma maneira que gosto de coisas arrumadas e redondas, como um donut (pode ser o chocolate frosted da dunkin donuts...!).
Por que estão a completar-se e por isso a viver as "dores de crescimento".
Uma última vez.
Foto: Jardim Gulbenkian
Comentários
Pois é escrever assim não é de toda a gente, já diz há muito tempo uma pesssoa que gosta muito de ti!
Que clareza a descrever e que sentido generosíssimo de observação!
Interpretas o que te rodeia com maestria.
PARABÉNS!