Novelos

Afinal, eu que não gostava de Domingos, até gostei do de hoje!

Por que gostei do "almoço do Domingo" que os dois fizemos. Aqui perto de nós, num Restaurante sem estrelas, comemos o bacalhau assado na brasa com batatas a murro e a meia dose de cozido com um jarro de vinho verde bem fresco. Comemos antes uma broa com manteiga e sentamos lado-a-lado, assim como os "verdadeiros", com a televisão a dar a bola e a ver quem entra e quem sai.

Fizemos um "almoço do domingo" com as quatro velhotas na mesa atrás de nós, que conversaram muito e beberam uma São Domingos no final, o casal que falava alto e discutia sobre nada, o Sr. Manel que almoçou ao balcão a meia dose do cozido e uma cerveja preta.

O Restaurante é do Bairro. Tem um balcão corrido com cadeiras que giram, em napa encarnada, e é decorado com espelhos e bocados de uma chapa castanha. Há sobremesas na vitrine - das a sério, sem ser do "Boca Doce", ou essas tretas pré-fabricadas, com as tacinhas de baba de camelo, arroz doce, doce da casa. Fuma-se lá dentro, toma-se o café do Domingo, depois do almoço em casa com a família, ouvem-se as histórias da semana que se segue.

Voltei a casa e o resto da tarde foi passado numa "maratona" de Lost, já da última série. Com a mudança de casa perdemos o fio à meada.
Agora digere-se o Domingo e eu imagino onde andam as velhotas, que cada uma que deve viver sozinha, numa casa de estendal na rua e um gato à janela, o Sr. Manel que aviava doses ao balcão sem abrir a boca, o casal que falava alto e discutia sobre nada, o rapazinho que entrou com a Mãe e pediu um gelado, enquanto ela bebia o café.

Durante aquela hora partilhamos um espaço, que cada um levou consigo até ao seu destino, como se partisssemos todo o mesmo novelo e cada um o levasse atrás de si, seguindo o seu rasto. Se pudessemos subir a um helicóptero, lá no alto, viamos os fios do novelo a esticar, esticar, esticar, até que começavam a cruzar-se todos uns nos outros. Por que todos nos iriamos cruzar mais tarde ou mais cedo, num café, no eléctrico ou no metro, na rua...

O Domingo de hoje relembrou-me esta minha mania de pensar que andamos todos com o fio atrás de nós que entrelaçamos uns nos outros, em momentos diferentes, em horas distintas, dias opostos, mas que cruzamos.
Por que não estamos assim tão sozinhos, numa cidade que nos parece tão grande.

Comentários

Anónimo disse…
A meu ver, só está sózinho quem não consegue partilhar as coisas da vida com os outros, sejam outras pessoas ou outros animais, plantas, flores, etc.
Anónimo disse…
É muito bem escrito.A visão dos novelos é muito bonita.Mas - o casal que falava alto e discutia sobre nada - é de uma profundeza onde já quase que não existem palavras.Tenho cada vez mais necessidade de ter um livro com todas as tuas prosas.Porque é urgente que esse livro exista.

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