Tudo é transitório

 On flows the river ceaselessly, nor does the water ever stay the same.

The bubble that float upon its pools now disappear, now form anew, but never endure long.

And so it is with people in this world, and with their dewllings.

Kamo Chomei (Japão, séc. 12)


Há inevitavelmente contradição na vida. Tanto amamos o sabor do chocolate na boca, como só queremos o sal das batatas fritas.

Se há semanas escrevi sobre a permanência constante hoje digo o inverso. Nada é persistente, tudo é transitório. A autoria desta conclusão pode dar-se a vários filósofos e pensadores, mas na verdade, atribui-se a Kamo Chomei, um japonês que saiu de uma vida rica e abastada de uma Quioto, cosmopolita e moderna, no seu possível modernismo de Idade Média (em 1150 e tal), para viver numa cabana de 10 metros quadrados numa zona de montanhas, meio isolada (perto de Toyama).

O gato preto que todos os dias se estende no terraço, hoje cheio de sol, não apareceu. Viver numa cabana de 10 metros quadrados, num palácio cheio de lustres, ou num terraço ao sol, pode também ser transitório.  

Há ainda outra coisa: «Temperament maybe fixed,but philosophy is transferable».

Viver numa cabana pode ser um sinal de humilhação e desastre. Ou não.



Na capa deste livro está uma dessas cabanas. Eu quase que vivi numa cabana, num sitio muito recôndito. Mas não é sobre isso que gostaria de escrever.

É sobre as epifanias sucessivas que esta leitura me tem provocado. É como se, a cada página, milhares de pontos se fossem cosendo - como juntar retalhos da minha vida, bocados de tempo, momentos, ideias, pensamentos. E tudo faz sentido. Não se trata de viver numa cabana, ou dizer que isso está certo. É só de considerar que se pode viver numa cabana, e que está tudo bem com isso.



Quando cheguei a este capítulo larguei uma gargalhada - pois aqui já parece que se está a reinar, do tipo: a sério, vocês vão mesmo explicar isto?

Uma vida mais simples é mesmo uma vida tão boa e óbvia que dá vontade de rir. Das notas que vou tomando, retiro a conclusão que uma vida simples é como tomar Prozac diretamente para a veia todos os dias, non stop, sem risco de dependência ou efeitos secundários.

Vidas atuais estão associadas a medo, ansiedade, expectativas, ilusões, desilusões, idealizações, pessoas complexas, afogadas em informação e objetos, coisas, tralha, emoções reprimidas, analfabetos emocionais, gente que não consegue ser quem é. 

Uma vida simples: liberdade de espírito, uma satisfação tranquila, uma serenidade, um assumido minimalismo que não obstante abre-se numa profundidade e honestidade, emocional e intelectual, desconcertantes. E até o desafio de relações minimalistas. 



Esta manhã, da minha 'cabana', vi esta beleza de imagem mesmo aos meus pés. O japonês escreveu um diário dessa vida ("The Ten Foot Square Hut"onde retira as suas conclusões e uma delas é que a beleza é uma coisa importante. Como as folhas do outono, o som da água ou o cantar dos pássaros. 

O Nick Cave também diz «There is nothing more valuable than beauty, they say, there is nothing more valuable than love» (Sun Forest).

E eu concordo. Com o Nick e com o Chomei. 

Sinto muito na beleza dos dias a ausência do meu Pai. Foi ele que me ensinou a vê-la em cada pedacinho de terra e em cada centímetro de vida interior. 

Tudo é breve. A beleza acho que fica para sempre. 

Ter uma vida mais simples é ser capaz de a viver para sempre. 



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