A metáfora morta
Na última aula de escrita tivemos de escrever algo completamente diferente, sobre um tema que não gostamos, que não tenha nada a ver com o nosso estilo de escrita.
Estamos a estudar os clichés. Os lugares comuns.
O que é esta vida toda senão um enorme cliché?
A "arte" está em escrever o cliché, sem parecer que é um cliché.
Aqui vai.
A arma estava pesada sobre a testa de João, ele sentia o cano frio a fazer-lhe pressão, mas não se importava com isso.
Mais uma vez a sua memória tinha fugido para um outro lugar e ele estava novamente a uma bala de distância desse tempo.
Quem vive assim uma vida inteira, já não se lembra do que é viver - João não se lembrava, apenas vivia cada dia entre uma arma e uma bala.
O cheiro a humidade saia pelas paredes e escorria próximo do seu nariz. Tinha um telhado novo, mas com a chuva dos últimos dias nem a lusalite sustentava aquela camada fria e dura.
Tinha os sacos com as doses sempre no mesmo sítio - dentro dos rolos de papel higiénico, por baixo do lavatório.
O cão já nem se mexia quando ouvia a porta. Era sempre alguém - ou para pagar ou para matar. Ninguém lá ia para dar festas ao cão, ou ver o João. Ninguém conhece o João, ou o cão.
O João não quer conhecer ninguém.
Mas é o pó que o faz ser alguém. Alguém próximo de ser gente.
Sempre com uma arma, uma ameaça.
Têm é todos medo - pensava João.
Ele não tinha medo, nem o cão.
Só tinha medo de deixar de ter medo. No dia em que o medo entrasse nele, como o pó que o deita na cama, ele morreria.
Estamos a estudar os clichés. Os lugares comuns.
O que é esta vida toda senão um enorme cliché?
A "arte" está em escrever o cliché, sem parecer que é um cliché.
Aqui vai.
A arma estava pesada sobre a testa de João, ele sentia o cano frio a fazer-lhe pressão, mas não se importava com isso.
Mais uma vez a sua memória tinha fugido para um outro lugar e ele estava novamente a uma bala de distância desse tempo.
Quem vive assim uma vida inteira, já não se lembra do que é viver - João não se lembrava, apenas vivia cada dia entre uma arma e uma bala.
O cheiro a humidade saia pelas paredes e escorria próximo do seu nariz. Tinha um telhado novo, mas com a chuva dos últimos dias nem a lusalite sustentava aquela camada fria e dura.
Tinha os sacos com as doses sempre no mesmo sítio - dentro dos rolos de papel higiénico, por baixo do lavatório.
O cão já nem se mexia quando ouvia a porta. Era sempre alguém - ou para pagar ou para matar. Ninguém lá ia para dar festas ao cão, ou ver o João. Ninguém conhece o João, ou o cão.
O João não quer conhecer ninguém.
Mas é o pó que o faz ser alguém. Alguém próximo de ser gente.
Sempre com uma arma, uma ameaça.
Têm é todos medo - pensava João.
Ele não tinha medo, nem o cão.
Só tinha medo de deixar de ter medo. No dia em que o medo entrasse nele, como o pó que o deita na cama, ele morreria.
Comentários
Também somos assim, com outro pó, outras ameaças. Gostei, parabéns
MA