Luz no Ibo
Sábado, 29 de Janeiro de 2011
Que fique para sempre registado nos anais da História que nesta noite a luz eléctrica regressou ao Ibo (mesmo que tenha sido apenas por uma noite, de testes de equipamento). Numa noite que começou por ser um dia cheio de calor e de humidade, um dia de chuvas anunciadas, depois de um ciclone que esteve para chegar, aparecendo nas notícias por todo o País. Haveria de chegar na noite de dia 27 um ciclone ao arquipélago das Quirimbas, na Província de Cabo Delgado. Um ciclone! E no Ibo, durante dois dias não se falou de outra coisa. Os pescadores recolheram-se, tal como as suas redes e os seus barcos. Assistimos a muitas discussões entre eles, e nem o barco-chapa iria sair para ir ao continente levar/trazer os passageiros.
Mas passaram dois dias e o ciclone deve-se ter perdido pelo fundo do mar. Houve sim, muito vento, que quase roncava, culminando na noite de sábado, dia 29, com uma chuvada e um espectáculo de trovoada e de relâmpagos que meteram a pirotecnia sofisticada da noite de passagem de ano da Madeira num chinelo.
Começou pelas 18h00, em que já era praticamente noite, mas o céu ainda com uns tons de azul-escuro e cor de alfazema. Estávamos junto ao mar, em casa da nossa amiga Lucie, em que do outro lado avista-se a terra firme e tal como se estivéssemos numa plateia, fomos assistindo aos clarões da trovoada que varria todo o continente. Umas nuvens negras e gordas aproximavam-se de nós, e os clarões e os estrondos desencontrados, eram de segundo a segundo, sem interrupção. Uma coisa a que eu nunca assisti, sem ser nos filmes.
A pouco e pouco começamos a sentir as primeiras gotas e o inevitável aconteceu quando toda aquela trovoada nos começou a engolir. Não eram raios, eram veias de luz que se abriam sob as nuvens, como se fossem raízes de árvores zangadas. Por segundos ficava dia e os nossos olhos não tinham outro sentido que não fosse o céu. E nós aqui, no meio de uma ilha, a sentirmo-nos tão pequeninos e impotentes perante a força da natureza – eu tenho uma teoria que me diz que é nestas alturas que a natureza nos mostra um décimo daquilo que é capaz de fazer, como que nos deixando um aviso, um recado da sua capacidade tão misteriosamente contida. Imaginamos também o que seria estar num barco, no meio do mar a assistir a tudo isto. Um misto de excitação com medo!
Aguardamos até a chuva acalmar um pouco para sairmos para nossa casa, que ainda fica a uns 500 metros de distância. Fomo-nos salpicando com um intervalo do combate entre a chuva e a trovoada, se bem que aqueles relâmpagos em forma de veias iam continuando, mas agora mais em silêncio. Foi quando começamos a atravessar a Avenida principal da Vila que eu notei num tom alaranjado das casas, em sombras, e em focos de luz, foi aí que me soltou um grito: “Luz! Olha, a luz!”.
Todo o caminho até casa, em que a chuva deu-nos tréguas, cruzamo-nos com duas ou três pessoas mas com todas comentamos: “Luz! O ibo tem luz!” E todas sorriram como nós, como se tivéssemos descoberto petróleo no meio das rochas.
É curioso como nos sentimos tão ridículos tanto perante um espectáculo da trovoada, como a apontar para um poste de iluminação como se estivéssemos a ver uma aparição. Ficamos os dois parados no meio da rua a ter a certeza do que víamos, foi quando percebemos que as ruas principais da ilha estavam com luz.
Até mesmo à porta de nossa casa temos um poste, e de lá iluminou-se o interior da casa, que entre as janelas deu-nos uma luz alaranjada, como se fosse uma memória de uma outra casa, numa outra cidade, numa noite de chuva. Também dentro de casa ficamos alguns minutos a ver a sombra da luz que incidia sob o nosso quarto e o escritório (onde eu agora escrevo, dar-vos-ei essa imagem em breve).
E agora as opiniões dividem-se: os “puristas” do Ibo defendem o Ibo assim como está, sem luz nem rede de telemóvel, pois ele só é um lugar tão especial e tão mágico porque de noite acendemos velas, vemos as estrelas e a via láctea, somos nós que escolhemos a quem comunicar e não o contrário, aprendemos a viver com o essencial e somos livres do telemóvel e da tecnologia, na verdadeira origem do ser humano. E as notícias acabam sempre por chegar, e as pessoas gostam de aqui estar.
Depois há os “progressistas” do Ibo, que defendem a necessidade de luz e de comunicações como condição essencial para a evolução da Ilha no sentido mais produtivo que ela tem, que é o do Turismo. Só se consegue que venham mais pessoas ao Ibo havendo um mínimo de condições a garantir, como por exemplo uma caixa multibanco! Mas não irá por acabar por perder o seu encanto?
A discussão está na mesa e na ordem do dia, mas o que a mim mais me fascina é eu estar aqui a assistir a esse momento, como se assistisse aos romanos a construir as estradas. Ao principio de tudo, em que cada dia nos dá uma surpresa, uma nova descoberta.
Que fique para sempre registado nos anais da História que nesta noite a luz eléctrica regressou ao Ibo (mesmo que tenha sido apenas por uma noite, de testes de equipamento). Numa noite que começou por ser um dia cheio de calor e de humidade, um dia de chuvas anunciadas, depois de um ciclone que esteve para chegar, aparecendo nas notícias por todo o País. Haveria de chegar na noite de dia 27 um ciclone ao arquipélago das Quirimbas, na Província de Cabo Delgado. Um ciclone! E no Ibo, durante dois dias não se falou de outra coisa. Os pescadores recolheram-se, tal como as suas redes e os seus barcos. Assistimos a muitas discussões entre eles, e nem o barco-chapa iria sair para ir ao continente levar/trazer os passageiros.
Mas passaram dois dias e o ciclone deve-se ter perdido pelo fundo do mar. Houve sim, muito vento, que quase roncava, culminando na noite de sábado, dia 29, com uma chuvada e um espectáculo de trovoada e de relâmpagos que meteram a pirotecnia sofisticada da noite de passagem de ano da Madeira num chinelo.
Começou pelas 18h00, em que já era praticamente noite, mas o céu ainda com uns tons de azul-escuro e cor de alfazema. Estávamos junto ao mar, em casa da nossa amiga Lucie, em que do outro lado avista-se a terra firme e tal como se estivéssemos numa plateia, fomos assistindo aos clarões da trovoada que varria todo o continente. Umas nuvens negras e gordas aproximavam-se de nós, e os clarões e os estrondos desencontrados, eram de segundo a segundo, sem interrupção. Uma coisa a que eu nunca assisti, sem ser nos filmes.
A pouco e pouco começamos a sentir as primeiras gotas e o inevitável aconteceu quando toda aquela trovoada nos começou a engolir. Não eram raios, eram veias de luz que se abriam sob as nuvens, como se fossem raízes de árvores zangadas. Por segundos ficava dia e os nossos olhos não tinham outro sentido que não fosse o céu. E nós aqui, no meio de uma ilha, a sentirmo-nos tão pequeninos e impotentes perante a força da natureza – eu tenho uma teoria que me diz que é nestas alturas que a natureza nos mostra um décimo daquilo que é capaz de fazer, como que nos deixando um aviso, um recado da sua capacidade tão misteriosamente contida. Imaginamos também o que seria estar num barco, no meio do mar a assistir a tudo isto. Um misto de excitação com medo!
Aguardamos até a chuva acalmar um pouco para sairmos para nossa casa, que ainda fica a uns 500 metros de distância. Fomo-nos salpicando com um intervalo do combate entre a chuva e a trovoada, se bem que aqueles relâmpagos em forma de veias iam continuando, mas agora mais em silêncio. Foi quando começamos a atravessar a Avenida principal da Vila que eu notei num tom alaranjado das casas, em sombras, e em focos de luz, foi aí que me soltou um grito: “Luz! Olha, a luz!”.
Todo o caminho até casa, em que a chuva deu-nos tréguas, cruzamo-nos com duas ou três pessoas mas com todas comentamos: “Luz! O ibo tem luz!” E todas sorriram como nós, como se tivéssemos descoberto petróleo no meio das rochas.
É curioso como nos sentimos tão ridículos tanto perante um espectáculo da trovoada, como a apontar para um poste de iluminação como se estivéssemos a ver uma aparição. Ficamos os dois parados no meio da rua a ter a certeza do que víamos, foi quando percebemos que as ruas principais da ilha estavam com luz.
Até mesmo à porta de nossa casa temos um poste, e de lá iluminou-se o interior da casa, que entre as janelas deu-nos uma luz alaranjada, como se fosse uma memória de uma outra casa, numa outra cidade, numa noite de chuva. Também dentro de casa ficamos alguns minutos a ver a sombra da luz que incidia sob o nosso quarto e o escritório (onde eu agora escrevo, dar-vos-ei essa imagem em breve).
E agora as opiniões dividem-se: os “puristas” do Ibo defendem o Ibo assim como está, sem luz nem rede de telemóvel, pois ele só é um lugar tão especial e tão mágico porque de noite acendemos velas, vemos as estrelas e a via láctea, somos nós que escolhemos a quem comunicar e não o contrário, aprendemos a viver com o essencial e somos livres do telemóvel e da tecnologia, na verdadeira origem do ser humano. E as notícias acabam sempre por chegar, e as pessoas gostam de aqui estar.
Depois há os “progressistas” do Ibo, que defendem a necessidade de luz e de comunicações como condição essencial para a evolução da Ilha no sentido mais produtivo que ela tem, que é o do Turismo. Só se consegue que venham mais pessoas ao Ibo havendo um mínimo de condições a garantir, como por exemplo uma caixa multibanco! Mas não irá por acabar por perder o seu encanto?
A discussão está na mesa e na ordem do dia, mas o que a mim mais me fascina é eu estar aqui a assistir a esse momento, como se assistisse aos romanos a construir as estradas. Ao principio de tudo, em que cada dia nos dá uma surpresa, uma nova descoberta.
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