São sempre velhos, nunca idosos.

Quando "projectei" este Blog, havia vários assuntos que queria escrever sobre.
Um deles era sobre os velhos de Lisboa. E as intenções foram boas, escrevi duas histórias, da Ana e da Maria Helena, em "Manta de Retalhos" no ano de 2009.
Depois a minha mente "africanizou-se" e o tema da mudança de vida e toda essa reflexão tomou conta de mim e da minha escrita.

Mas eu deveria ter continuado a escrever sobre eles. Os velhos que vivem sozinhos em Lisboa e que eu conheci. Entrei em casa deles, sentei-me na cozinha escura e com panelas perdidas, vi as embalagens de comida pré-cozinhada vazias e deitadas pelo chão, molduras com fotografias amarelas, cheiro a cão e a gato, ausência de pessoas, vestidos de pijama e de roupão, cheiro a naftalina, num 10º andar num Bairro em Benfica ou na Av. de Berna, com os autocarros a passar lá em baixo.
E aquilo sempre me tocou.

Foi a Coração Amarelo que me mostrou esse mundo. A mesma que eu tenho desde o 1º dia nos meus links lá em baixo. Além dela, existe a Cruz Vermelha Portuguesa, que em Lisboa tem o Programa "Mais Voluntariado, Menos Solidão"e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
As três olham para os velhos, sempre o fizeram. Olham para quem ninguém quer olhar. Trabalham com voluntários, gente mundana, mas com uma capacidade fora do comum, que vão a casa da D. Anita na Encarnação aquecer o almoço, dar comida ao gato, despejar o lixo.
Esta gente existe há muito tempo e faz um trabalho único, pelo menos daquilo que eu conheço na cidade de Lisboa.

Houve um Natal em que eu entrei em casa desses velhos e levei-lhes a Ceia de Natal. Eles não sabiam como agradecer e muitos davam-me abraços. Abraçavam-me ávidos de ter contacto com alguém diferente, que veio de "fora", talvez mais jovem, que representa um mundo tão distante.

Estas notícias dos velhos encontrados mortos em casa, provocam-me sentimentos vários.
Da ironia dos meios de comunicação social, que tal como desataram a cair balizas em todo o País quando um menino morreu, eu também pensei: agora vão "aparecer" velhos mortos em casa em todo o lado. E assim foi.
O que é a notícia, afinal? Uma fabricação engenhosa de factos?
Agora vêm todos dizer que ninguém olha para os velhos, para as autênticas bibliotecas ambulantes que se perdem pelo País.
E esta gente, estas três Instituições que trabalham só com estes esquecidos, ninguém fala do que eles fazem? E além destas devem existir muitas outras...

É sempre tudo pelas crianças e tão pouco pelos velhos.

Mesmo aqui, em Moçambique, há poucos velhos, pelas razãos óbvias de uma pirâmide demográfica escolar de um País de 3ºmundo. Por isso quando vejo um tento aproximar-me: têm os olhos mais brilhantes do mundo e a pele mais macia da terra. São sempre suaves seres, calmos e de sorriso fácil. Sinto que já não são gente deste mundo, já flutuam para uma outra dimensão muito superior à minha.

E aqui não morrem sozinhos, não são abandonados. Vivem na sua aldeia, na sua comunidade, passam pelo pior, mas jamais ficarão 9 anos numa casa à espera de um funeral.

Que mundo afinal é este? O terceiro?

Comentários

Anónimo disse…
Pois é.Acertas sempre.Ontem á noite o M.R.de Sousa falou acerca disso.De uma população de gente nova com conhecimentos para viverem no país ou no estrangeiro , e de uma população de envelhecidos que estão em frente á TV.Lembro-me de contares das tuas idas a casa desses idosos.Continua sempre a escrever porque é uma delicia.
João disse…
A sociedade moderna é uma manada desesperadamente desgovernada que se atropela.
Infelizmente Portugal e quem nos governa (qualquer que seja o partido ou instituição) é presa fácil de uma globalização que em vez de incluir, exclui cada vez mais, empurra as populações para as cidades (o exemplo mais escandaloso aconteceu na Rinchoa parte do maior dormitório do pais)e deixa o interior entregue ás moscas e ás autoestradas inúteis.
Acho que precisávamos de milhares de Antonio Barreto á frente do governo, jornais e canais de televisão para começar a ter esperanças em inverter esta tendência tão estúpida.

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