Mercados "de Risco"

Andar pelos mercados em Moçambique, tem sido para mim uma descoberta, além de que eles reflectem toda a realidade africana, que eu acredito ser genuinamente assim. Caótica, mas sem se saber como, acolhedora e benevolente para quem a vive.
Os mercados que melhor conheço são os de Pemba, naturalmente. São os mercados da cidade onde, a meias com uma casa numa Ilha, vivemos a quase 3mil km de distância da "nossa" Capital, Maputo. Por isso aqui, ainda se torna tudo mais intenso!

Não trago fotos, pelas razões óbvias, pois se fosse para lá tirar fotos, perdia-se toda a experiência de viver aquele momento por si mesmo. Por isso, e como já é meu costume, fazendo-o sempre com muito prazer, eu "tiro" as fotografias com as palavras. A máquina é a minha memória.

Há que primeiro ter em conta o espaço: são barracas, feitas de madeira, algumas só com as paredes laterais e o tecto em chapas de zinco, outras mais evoluídas em cimento, com a banca à frente, também há aquelas com apenas uma estrutura de bambu, cujos paus cruzados uns sobre os outros criam uma espécie de expositor onde de pendura roupa, malas, mochilas, cintos, sapatos, etc. O chão é terra, o céu é o sol escaldante, a atmosfera é quente e húmida.

Em Pemba há 4 mercados principais, pelo menos, são aqueles a que recorro mais:

- Mercado das Batatas. O mais famoso da cidade. Todo posto junto à estrada e depois com várias entradas lá para dentro, onde nos perdemos num labirinto infinito que nunca sabemos em que lado vamos parar. Ventoinhas, colchões, fechaduras, fichas, cds e filmes piratas, telemóveis usados, cadeados, panelas, pratos e talheres, canecas e copos, cordas, plásticos e baldes, fósforos e isqueiros, cuecas, meias, roupa, cintos e malas - e, agora vem a melhor parte, as aparelhagens! São colunas gigantes a debitar todas as músicas do mais actual e dance possível, eu que há 6 meses não sei o que se passa na cena musical ocidental, sei tudo porque as "Batatas" mantêm-me informada. Ainda há as barraquinhas que vendem o detergente, as latas de tomate concentrado, a pasta "cologate", a rede mosquiteira da USAID (que era suposto ser uma doação...) e as cebolas e as batatas (sim, há batatas, mas não é só!).
Na minha mais recente incursão pelas "Batatas" foi a um dos "Restaurantes" - sempre no mesmo registo de barraca. Arroz de coco, feijão e cabrito. No fim bananas e ainda uma coca cola. Tudo aquilo é um cenário de um filme supra-alternativo, com senegaleses, tanzanianos, moçambicanos, e nós, numa mistura de gente, moscas, música e comida.



- Mercado dos Legumes. É a "Praça", onde vamos comprar a fruta e os legumes. Os que há, os que desaparecem e voltam a aparecer. Agora a alface sumiu-se, como as maças e as laranjas. Mas há imensas beringelas, quilos de abóbora, pepino, o tomate está ao dobro do preço de meses atrás, e o alho e as cenouras são o maior roubo durante todo o ano!
O ananás é delicioso e as mangas já estão a acabar. Quilos de bananas vindos de toda a parte, assim como pimentos e limões! A mais recente aquisição da estação é o Sr. feijão verde que com a couve lombarda (que eles cá chamam de repolho) tem feito as delicias das nossas refeições sempre muito vegetarianas. Quando estamos em Pemba entregamo-nos às vitaminas que nem uns loucos, pois no Ibo fazem-nos falta, se bem que é compensando pelo peixe e o marisco sempre fresco.
Este mercado é também "ambulante". Muitos rapazes andam pela rua de cestas de legumes e fruta na cabeça - é mais frequente comprarmos a estes rapazes pois negociamos melhores preços (estes produtos aqui não são baratos).

- Mercado dos Sapatos. Um must da reciclagem do calçado ocidental para o terceiro mundo! Os pares de sapatos usados chegam no estado em que os seus donos, algures no mundo, os deixam. Depois são lavados, limpos e puxado o lustre, recheados de papel e de plástico para não perder a forma e pendurados um por um, formando um efeito visual tipo árvores de natal, com centanas de pés no ar!
É uma loucura pegada, e até há sapatos bem bons, e de qualidade, e a preços baixos, desde 5€...

- Mercado da Roupa. A minha mais recente experiência em que fiz parte daquele pedaço do mundo que "usa" o "lixo" que o primeiro mundo deita fora. Por cá, chamam-se a esses contentores de toneladas de roupa: "calamidade". E eu arrecadei três saias por 2,5€ cada, sendo uma dela da Zara!
A histórias das saias é porque a roupa que eu trouxe de Lisboa era demasiado à imagem e semelhança de 15 dias de férias por ano. Calções mini, saias mini, tops e coisas todas coloridas e todas decotadas que o que a malta queria era estar de braços e pernas ao léu e ter férias com sabor a tudo. Mas aqui não é bem assim...
Há que baixar o volume, e tudo bem com uns tops sem mangas, mas lá a pernas têm de estar mais escondidas. Além das saias, abaixo do joelho, trouxe um lenço bem giro da HM por 0.25€.
E para não falar dos lençois de linho e de algodão, óptimos, das toalhas de mesa e dos panos de cozinha. Tudo coisas boas, de óptima qualidade, como tudo o que se vende no primeiro mundo é, e que por isso resistem ao tempo, só não resistem à pressão do consumo, à regra de que todos os anos temos de comprar roupa nova...
Quando vejo aqueles montes de roupa, sendo a maioria roupa nova, nunca usada, penso que não faz qualquer sentido. Quando vejo aqueles quilos e quilos de roupa, as centenas de saias que estavam penduradas, t-shirts e calções, calças e até vestidos de costureiros franceses, penso como é possivel eu chegar a Lisboa e gastar dinheiro em roupa.

Esta nossa nova vida traz-nos todos os dias estas lições, e agora que sabemos que pela velha Europa se vivem dias tão complicados, só pensamos que aqui há espaço para todos, há vidas novas todos os dias!
Fácil não é, só é preciso arriscar.

Comentários

Rita,

ler o teu blog é sempre uma lição, Ou porque aprendemos História, ou porque aprendemos com as tuas histórias.
Ler o teu blog é ver uma pessoa transformar-se num ser cada vez melhor, cada vez mais honesta, cada vez mais humana. não digo que não fosses boa pessoa (lol!) mas é incrível a quantidade de coisas que aprendes aí e que, intencionalmente ou não, nos ensinas.
ler o teu blog já fez com que eu relativize tanta coisa e questione a minha escala de valores...
ler este blog é uma verdadeira inspiração!

Parabéns e keep up the good work!

beijinhos,
Pureza
Rita disse…
querida pureza,
são estas tuas palavras, e outras que já por aqui me deixaram, que tornam toda esta minha aventura da escrita no ciber-mundo em momentos muito especiais.
eu costume dizer, escrever, (pois tenho feito um Diário de cá), que "aqui cresço todos os dias." e isso é tão verdade, como a alegria que me dás ao teres comprovado através das minhas palavras.
e sempre que vivo uma nova experiência sinto que tenho de a partilhar, tenho de "contagiar" alguém com esta sensação, pois só assim me parece que a vida faz sentido!
bjs mil e saudades, fiquem bem!
Rita

Mensagens populares