a terra vista do céu
As viagens são sempre pretextos disfarçados para que a nossa alma viaje para fora de nós e nos espie de uma cadeira, que pode ser de um avião ou comboio, posta na nossa frente.
Nunca como desta vez, o sentido de uma viagem fez para mim o significado disso mesmo. Uma dupla viagem aquela que se faz movendo-se e aquela que se faz dentro de si.
Há dois anos que não punha os pés num avião, aeroporto, o que fosse que pertencesse a um léxico de viagens. Primeiro fiquei empolgadíssima com o novo terminal do Aeroporto de Lisboa, cheio de lojas novas, todo moderno e bonito. Adorei!
Depois a ideia de fazer o check in e de me deixar levar pela porta de embarque, que logo me fez pensar: só tomamos os caminhos que escolhemos. Embarco naquela porta, porque escolhi aquele destino e nenhum outro.
Nada, ou quase nada nesta vida, é-nos imposto. Somos livres nas nossas escolhas, mas sabe-se lá porquê vivemos quase uma vida inteira a achar que temos de ser e estar, porque devemos e não porque escolhemos.
A liberdade da escolha traz a consequência da dúvida. E daí nasce o medo do desconhecido.
Londres, para mim, não é nenhuma cidade desconhecida.
Gosto dela e entendo-me como qualquer habitante. Ando sozinha por todo o lado.
Desta vez fiquei em casa de uns amigos, os mesmos que visitei em Nova Iorque há 8 anos. O tempo voa.
Agora já são eles mais dois filhos, rapazes 100%, só jogam futebol, andam vestidos com os equipamentos do Chelsea e do Real Madrid, têm no quarto posters do Messi, fazem desenhos de campos de futebol.
Relembrámos os tempos da minha estadia em Nova Iorque, momentos longe da minha vida, mas de repente tão presentes. Tão reais.
Somos as duas Ritas e apesar de não termos uma amizade muito presente, e de vivermos longe uma da outra, nestes dias ajudámo-nos muito, estando cada uma a passar por momentos críticos, mas tão distintos, nas nossas vidas.
Eu ajudei a Rita e ver as coisas com mais clareza, a Rita ajudou-me a ver as coisas com mais clareza.
A distância traz nitidez às coisas, torna-as contornáveis, finitas, recortáveis como um cupão pelo picotado.
O sofrimento não tem de ser infinito, porque infinita não é a terra que se vê lá de cima de um avião.
A viagem de regresso a Lisboa foi toda feita com terra à vista, estava um final de tarde absolutamente perfeito, nítido e suave. Viemos ao ritmo do sol que se punha todo em cor de laranja e já a chegar a Lisboa vi com enorme nitidez toda a costa até Cascais, Serra de Sintra, o Guincho lá pelo meio, as estradas, os carros, os edifícios.
Vi tudo de forma tão nítida, tão clara.
Calma, Rita, nada que é assim tão mau, e mesmo assim tão bom, que dure para sempre. Nada é infinito. Ao longe vê-se tudo muito melhor.
Só pode ser infinito o amor de uma Mãe, tudo o resto é terreno e por isso contornável, como um barco que navega pela costa ou como um avião que sobrevoa uma cidade.
Haverá de chegar a um destino. A um fim.
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