Ainda sobre o amor. E o fim.


Os exercícios escapistas sucedem-se entre filmes, livros e tanta música. 

O filme seguinte "Despojos do Dia", para mim, agora estudante de Teatro, é um deleite do princípio ao fim. Os diálogos, as pausas e os silêncios. Tanto Anthony Hopkins como Emma Thompson começaram pelo Teatro, o cinema veio muito depois. 

E como é evidente, o filme é sobre amor. O amor pelo ofício, e o brio na profissão, o amor pela tradição e o rigor, o amor de um filho e de um Pai (à sua maneira), o amor pela liberdade e o ideal de justiça. 

O único amor que dói, e que desconcerta, é o de eles os dois, que é tão cru, tão pungente, que quase temos medo se se declara. O que nunca acontece. E é como uma navalha muito fininha que entra na pele, mas não corta. Só dá vontade de a cravar, e de fazer aqueles dois se amarem. Mas não. 



Estou a ler A louca da Casa, da Rosa Montero, que por várias páginas compara a escrita à paixão, mais precisamente ao amor apaixonado. 

Quando amamos apaixonadamente temos a sensação de que, no instante seguinte, conseguiremos assimilar-nos a tal ponto com o ser amado que nos converteremos num só; ou seja, pressentimos estar ao nosso alcance o êxtase da união total, a beleza absoluta do amor verdadeiro. 

Nem é preciso dizer que esta culminação nunca se atinge, nem no amor nem na narrativa; mas ambas as situações partilham a expectativa fantástica de nos fazerem sentir nas vésperas de um prodígio.

Umas das várias coisas boas de ler livros, é que os seus autores já passaram pelo mesmo do que nós, em algum momento da vida. Sentimos exatamente a mesma coisa, o que a torna um acontecimento incrível. Afinal, penso, eu, não terei sido a única, nem serei a última.

Ela avança para um segundo ponto que é ideia de eternidade que o amor traz . Ao amarmos somos eternos - diz. Não há morte. 

«Da dor da perda nasce a obra». A frase é de um psicólogo francês, Philippe Brenot, e vem no seguimento da necessidade premente de criar após um luto. E a escrita de um livro, é para 'quem perdeu o paraíso, uma forma de o recuperar'.



Perdi um paraíso, o meu Pai, que era o meu melhor amigo. E há não há manhã, nem final de dia, que não sinta uma ponta de tristeza por ele já não estar aqui. E sinto essa tristeza com tanto amor, que o meu coração consola-se. 



Por estes dias de frio, e muito sol, o final do dia é de uma beleza que me comove. Tenho pena de não ter feito duas coisas com o meu Pai: de não termos ido a África e de não termos feito uma viagem de carro, só nós os dois. Iriamos a ouvir música, a conversar e sobretudo a partilhar o silêncio. E os dois a conduzir, como uma das coisas que mais gostamos de fazer. Conversar e guiar. 

E eu iria partilhar tudo isto sobre o amor romântico, sobretudo, aquele que parte o coração. E como é possível apaixonarmo-nos aos 46 da mesma forma do que aos 16 ?! Como, Pai?! Tenho a certeza absoluta do que ele iria dizer: «E não é óptimo, mesmo assim? Mesmo que depois te doa? É fantástico!» - e nesta palavra sei exatamente a entoação que lhe dava e o gesto que faria com as mãos. E os olhos dele, e a forma como me iria levantar o queixo e fazer-me sorrir, mesmo que me caíssem muitas lágrimas. 

O amor pelo meu Pai é eterno, ele vive todos os dias comigo. Esse amor sim, constrói mundos inteiros. É sobre isso que é afinal o amor. O que não nos derruba, o que nos pacifica, o que nos acalma. A beleza absoluta do amor verdadeiro é a que sinto pelo meu Pai, amor de Pai e de uma filha. 

A vida deu-me o privilégio de viver um amor numa eternidade infinita que não me magoa, só ainda me faz ressentir, por momentos, a sua ausência. 

Do outro amor apaixonado, vivi, por instantes, a tal a expectativa de me sentir em 'vésperas de um prodígio', não tive a sorte de o viver muito para além disso. Vivi dos que fazem doer. Do amor que acaba. Há um momento, em que sem perceber como, a pessoa que amou, deixou de amar, ou não chegou sequer a amar, mas acreditou ser possível.  

Mas.

«E não é óptimo, mesmo assim? Mesmo que depois te doa? É fantástico!»

I love you, Pai ❤️

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