Quando te serves de um lugar para fugir
Ibo, Janeiro 2011 - o quotidiano
Para ter a certeza que vivi aqui. Que foi este corpo que habitou aquele lugar. As coordenadas do Ibo são as minhas.
A vida segue, sempre.
«Andar descalça em casa e na rua, acordar com o nascer do dia e sentir o pôr do sol, molhar-me e salgar-me com a água do mar, sem pensar se fico com frio, ou se estraga a roupa, dormir de janelas abertas, ouvir os pássaros e os cabritos na rua, descobrir todos os dias novos pássaros e novos cabritos, ouvir vozes de crianças, de mulheres a cantar e de gente (nunca de carros, buzinas, trânsito), tomar um banho ao final do dia e pôr uma roupa fresca, viver numa ilha, comer caranguejo que veio do mangal, andar pela estrada de terra, passar pelas aldeias, cheirar as magnólias, lavar a roupa de manhã e ficar seca logo depois, não sentir o tempo a passar, nem os dias, ou as semanas, não ter saudades…»
«… as ligações são sempre tão más, e aqui, no Ibo, não tenho acesso à internet em casa. Tenho de subir ao ponto mais alto da Ilha, ao Fortim de Santo António, construído em 1818, para vos falar. O que até seria divertido estar lá no alto a falar com vocês. Mas aqui são mais duas horas e à hora a que vocês se juntam, estou já eu no 7º sono. Além de que as melgas e a malária toda estariam alerta a uma presa fácil como eu, perdida pela escrita no alto do fortim».
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Para escrever convém continuar a ser criança nalgum lugar de nós próprios. Sabemos que dentro de nós somos muitos.
Escrever é flutuar no vazio.
Rosa Montero, A Louca da Casa
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