Conversas do Divã #2
Resiliência, s. f. o contrário de fragilidade; capacidade de
resistência de um material ao choque, a qual é medida pela energia necessária
para produzir a fractura de um provete do material com dimensões determinadas;
energia potencial acumulada por unidade de volume de uma substância elástica,
quando deformada elasticamente.
Até quando resiste o material?
E quando o material somos nós,
corpo feito de carne, ossos e cérebro, até quando se resiste?
Qual é a nossa capacidade de
resistência? Diz-se que a carne é fraca, mas creio que o espírito pode ter uma
capacidade de resistência de proporções desmedidas. Somos a tal substância
elástica. Mas quando é que ela quebra? E quando quebra, sabemos que aconteceu?
O que se faz? Juntam-se os bocados de elástico e voltam-se a colar com Super-Cola
3?
É mais ou menos assim. O que puxa
o elástico é diferente de pessoa para pessoa, é uma força poderosa, quase
mecânica, que quase sempre faz-nos entrar numa esfera de dor e sofrimento. O
que causa o movimento difere, é certo, mas também é certo que pode haver quem
sofra por não poder comprar uns trapos da nova colecção (lá estou eu a embirrar
outras vez com a tipa com o Blog dos “365 dias sem compras”), ou não ir
experimentar o Restaurante da moda.
Não é dessa dor que falo.
(Gente que habita ao nível do
Fairy, por cima da gordura na frigideira dos bifes de perú, não é para aqui
chamada; neste Bolo-de-Arroz vem quem quer, e eu aqui só falo de sub-solos interiores de cada um,
vasculhando o mundo imenso, vastíssimo e maravilhoso que cada um é. Se quem me
lê ainda está na fase da espuminha da loiça, que me perdoe, mas estes
pensamentos e desabafos parecer-lhes-ão profundamente enfadonhos e chatos e daí
mais vale não voltar cá. Façam o vosso “trabalho de casa”, pendurem pontos de interrogação
por todo o lado e depois voltem.)
Falo de quem esticou o elástico
até ao fundo de um poço e por lá ficou, meio às escuras, meio perdido, com o
cheiro da água turva, pisada. E depois, quando teve a absoluta revelação da
vida regressando ao cimo. Falo de quem o fez e depois enrolou o elástico
como um cordel, guardando-o num bolso dentro de si. Todos temos um elástico, que
nos persegue, que dobra esquinas, dá voltas no ar a rodopiar, que se deixa ser
pisado pelos outros, que às vezes vai à máquina de lavar sem querer e fica uma
papa mole e disforme. Todos temos um elástico e ele tem a sua capacidade de
resistência. Ele, à partida, não é frágil. Tendo uma capacidade de resistência proporcional
à nossa vontade, à nossa resiliência. O que é uma redundância: a nossa resiliência
é proporcional à nossa capacidade de resistir que é igual à resiliência. Só se
conhece a resiliência quando se é resistente, se assim posso concluir.
Para uns, há alturas em que se
esquece o elástico, é tão pouco usado que perde elasticidade e ao mínimo
esticão quebra. Para outros, que andam com o elástico para frente e para trás,
estão a dar-lhe músculo e a torna-lo mais resiliente.
A dor não é por si só um
fim, mas antes o início da caminhada que estica o elástico, e vai, vai, vai.
Tem momentos de alívio, paragens suaves: recuos, avanços, paragens. Há momentos
que pode levar a um fundo negro, a um buraco sem luz, mas usando a sua
elasticidade musculada, recua, dá o salto inverso e volta à caminhada ora tensa, ora harmoniosa.
Diz o dicionário também, no final
do significado: (Do lat.resilientia,
part. pres. pl. neut. de resilire, “saltar
para trás, recuar vivamente”)
Quando se dá o salto, vivo, enérgico é-se resiliente. Prova-se e atesta-se a capacidade do elástico, recomeça-se, retoma-se. E é isso que nos faz ser não-frágeis: a capacidade de sofrer. Porque só é resiliente
quem realmente sente a dor e a enfrenta.
Para mim é uma lição de vida. E é
neste momento o meu melhor instrumento de criação. Para mim, o processo de
criação passa pela dor, de outra forma nunca poderíamos ter tão melhor
contacto com sentimentos, emoções. Em absoluto, de outra forma, nunca poderíamos
ter um conhecimento tão real de nós próprios.
O resto está tudo na espuma da
loiça. Deixá-los estar.
Comentários
Pensa num rio, e num volume de aguá absurdo que entra no seu leito através da chuva - toda a vida (fauna e flora) que lá se encontra poderá ser perturbada ao ponto de sucumbir, mas devido a esta capacidade intrínseca do sistema como um todo, o rio resiste e, após a calmaria, recupera e retorna o seu curso habitual, assim como toda a vida que lá existe.
Ora o segredo para a nossa sobrevivência mental, espiritual, pessoal, é sermos fortes e não sucumbirmos às pressões externas, mas sim ganharmos resistência - o que não nos "mata", torna-nos mais fortes...