Crónicas de Luz

Eu sei que tinha prometido aos meus caros leitores um relato cheio de detalhe e pormenor sobre este grande feito que é a Luz estar de volta a esta pacata Ilha.
A primeira vez foi em 1885...

Tinha comigo um pequeno gravador e máquina de filmar, para recolher testemunhos de todas as partes, da Sra. Padeira, que faz o pão ferver nas nossas mãos e suspirar pela manteiga dos Açores, do pescador que nos traz o camarão à porta de casa, no saco velho do OMO, do Polícia que é dono da mota mais americana da Ilha, da Sra. das Chamusas, do Calafate que arranja o barco na praia ao som do rádio de pilha, das crianças que jogam com a bola de sacos de plástico e empurram carrinhos de lata de atum e pneus de borracha de chinelas e até do sapo que vive à porta da Padeira. Não se sabe ainda por que razões escolhe ele o final do dia para se pôr à porta do quintal de onde saem pães a ferver, mas julga-se que é tudo uma longa história de amor, entre farinha de trigo.
Testemunhos a recolher também da comunidade de osgas do Ibo (diz-se já terem uma Mesquita), que do dia para noite vêem-se aflitas a ter de dar conta de tamanha quantidade de caça fácil a cair nas malhas da iluminação pública, que contava com pelo menos 618 melgas por candeeiro.

Eu poderia ter feito isto tudo, não fosse a gasolina do Gerador Municipal ter acabado antes do final do mês. Até nem foi a meio do mês, foi mesmo logo no início - o dia oficial para o início da luz foi 1 de Março e 10 dias depois acabava a gasolina.

Posso contar-vos que nos primeiros dias, os picos de energia, entre a luz ir e vir, eram aos 8 e 10 de cada vez. Mas a população não se deteve e arrancou para Pemba a encher-se de frigoríficos, aparelhagens e até ferros de engomar!

O sonho dourado chegava ao Ibo em forma de luz e de electrodomésticos! A população fez puxadas directas dos postes para dentro das suas casas, e deu-se vida a arcas congeladoras e a colunas de som de alta-fidelidade. A selva dos voltes estava montada.

Cá em casa manteve-se tudo na mesma. Pensámos que a gasolina iria durar, sim, mas nunca até ao final do mês. Demos o benefício da dúvida.

A realidade prova-nos que consegue ir ainda mais longe e 10 dias depois, o êxtase de uma Ilha cheia de energia, acabou sem grandes contestações. Serenamente, voltamos às gambiarras, aos mini painéis solares para carregar os telemóveis, às lanternas, à discoteca ao som do gerador. Nada de novo pelo Reino do Ibo. Foram delírios breves.
A população aguarda pelas cenas dos próximos capítulos para vincar as calças e as bainhas, até lá o depósito do Gerador continua seco como um peixe.

Não vale a pena, é assim mesmo…

Comentários

Anónimo disse…
Aqui duma montanha cheia de luz, árvores, água e pássaros,sinto-me perto de ti, poeta-escritora, hoje, neste dia mundial da poesia (pelo menos na metrópole).

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