A trovoada
Escrevo ao mesmo tempo que o céu em Lisboa descarrega toda a carga em excesso de energia acumulada nestes últimos meses de seca extrema.
É verdade que também já estava a ficar farta de apanhar choques em todo o lado.
Aqui a trovoada é ligeira e doce.
Nunca gostei dela e sempre me assustou até ao momento em que resolvi viver no hemisfério sul, no Continente Africano.
Em Moçambique a época das chuvas dá-nos uma nova dimensão daquilo que é a chuva e daquilo que é a trovoada.
Lá a trovoada é um monstro irascível que foi acordado antes de tempo. Como um urso que interrompe o sono enquanto hiberna. O céu muda de cor, as árvores encolhem-se, os pássaros desaparecem. Ninguém é obrigado a ficar, só quem quiser "assistir" à catarse.
A trovoada é dona e senhora daquele pedaço de terra onde descarrega raios e relâmpagos sem qualquer misericórdia. É um massacre autêntico. O barulho da chuva abafa tudo, temos de falar mais alto para nos fazer ouvir.
Quando agora, estando em casa, ouço esta trovoada e a chuva abençoada que cai, é uma doce recordação que me traz, do quase "fim do mundo" em que a terra se tornava, como se não existisse um outro lugar no mundo. E quando a noite caía, os raios desenhavam formas que eu nunca tinha visto, pareciam que as nuvens tinham espinhas e estavam a fazer uma radiografia, parecia que de lá do cimo desciam traços de luz como uma faca cravando-se numa parede.
A Natureza mostrava a sua superioridade máxima e absoluta sobre nós. Sentia-me tão mais pequenina do que uma formiga que se esconde no formigueiro.
No final, revela-se toda a sua beleza: do chão brotam minhocas, os pássaros regressam aos ninhos e a uma actividade fernética, as plantas incham de vida e a terra devolve tudo ao homem: arroz, milho, mangas, papaias, ananás, abacates.
Assim como uma senhora tão bem resolvida consigo própria, generosa e sublime.
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