a estrada

 
O bolo de arroz tem um síndrome de "retornado" que está a ficar cada vez mais evidente.
Se por um lado é todo ele um universo de puericultura, ora de amamentação, fraldas e suplemento, tamanho de roupa, tetinas, chuchas, babygrows, horas de mamar, horas de dormir sestas, acordar à noite de 3 em 3 horas, you name it, por outro, só se leva até Moçambique.
Ou por outra, só me lembro do quase excesso de liberdade em que vivia. Tudo o que é de mais enjoa, e acredite-se que aquilo era de mais.
Mas agora apetece-me voltar ao tema.
Ao tema das viagens de carro.
Eram sempre de vários dias, com muitos quilómetros, de sol a sol, das 5 da manhã às 5 da tarde, com muito pó cor de terra laranja, com muito calor, com muita paisagem, muitas barracas, cabras, bicicletas, crianças, camionetas, motas, montanhas, plantações, gente e mais gente, vida atrás de vida, ou deserto atrás de deserto.
Há uma frase do "Vendedor de Passados", do José Eduardo Agualusa, que diz "A memória é uma paisagem contemplada de um comboio em movimento."
Para mim, a memória podia ser uma paisagem contemplada pela janela do meu carro em África; a estrada é o caminho da alma, e quando a percorro, viajo dentro de mim e vejo tanta coisa que existe, tanta coisa real, mas que já não posso voltar a elas.
Talvez seja por isso que gosto de conduzir e não me importo nada de fazê-lo sozinha. Porque me deixo viajar pelo avançar da paisagem, indo ao meu interior silencioso e discreto.
Quando isso acontecia em Moçambique, e não era eu que conduzia, o efeito era mais autêntico e muito intenso. A força da memória numa estrada africana é brutal, a paisagem é tão rude e tão crua que se não temos cuidado, fazemos sessões de autêntica terapia enquanto viajamos.
E é por isso que andar na estrada africana é tão viciante, e é por isso que África vicia.  
 
 










 
 
 


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