as primeiras crostas


 

Assim como dois amantes que se separam sem um último olhar, deixei eu Lisboa e este Miradouro que diariamente marcava os meus passos e as minhas horas.
No dia em que vim (re) morar para Cascais, desci as escadas do meu prédio, fechei o porta bagagens, entrei no carro e fugi como uma criminosa.
Não era suportável ter de me obrigar a uma despedida solene - a última ida à frutaria, a última saída com o Flash, o último bilhete de metro, a última descida ao Chiado, o último 28, a última passagem pelo Adamastor...
Sorte a minha que na altura em que fechei a porta de casa pela última vez, o Miradouro estava em obras, feio e desconjuntado.
Mas agora não.
E eu, tal como uma dependente em recuperação, não resisti a uma visita, achava eu que estava a "ter uma recaída". Fui vê-lo, fui à "minha" Lisboa visita-lo, cheia de saudades e curiosidade em saber como tinha passado, como quem visita um parente que vive longe.
Fui sozinha. Pois estas coisas do passado são para ser feitas apenas com o nosso interior a conversar.
E gostei tanto.
Claro que é um local turístico, cheio de gente, concorrido, mas não deixou de ser o "meu" miradouro, onde por muitas e muitas manhãs o Flash farejava a relva e eu, absolutamente sozinha, o tinha só para mim.
Prometi não ficar tanto tempo sem o voltar a ver e quase pedi desculpa pela minha saída apressada há uns meses atrás. Mas não havia outra forma - o coração que não vê é aquele que não sente, e naquele momento o meu já não suportava muito mais sentir.
Agora, com este "teste", a medo, percebi que afinal já as coisas estão mais serenas para os meus lados e o "ver" já não faz tanto "sentir".
O tempo é mesmo o melhor remédio, para estas coisas do coração e para os lugares que se ocupam dele. 
As cicatrizes, finalmente, começaram a formar-se, percebi eu, e a visita que fiz foi a prova disso.

Comentários

Anónimo disse…
É tudo muito bonito.....sim.

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