Cá, também há bolo de arroz.
Mas cá, a vida não é igual ao bolo de arroz que eu sempre conheci. Têm o mesmo nome, mas fazem parte de um dicionário diferente.
Dia 9 de Agosto completámos o nosso 1º mês em Moçambique. Do turbilhão de sentimentos e sensações novas, experiências vividas e únicas, passamos para a instalação de uma rotina e de uma vida diária em que as referências que temos, de uma vida semelhante num outro continente, são os rituais como o pequeno-almoço, almoço e jantar, as nossas roupas, os cremes que vieram de Lisboa, a pasta dos dentes, o fio dental e os shampos, além do computador e do ipod...
No dia 10 de Agosto fiz 33 anos e fiz um bolo de chocolate. Utilizei os mesmos ingredientes, a receita da minha Mãe, os utensílios muito idênticos, mas em tudo aquele bolo de chocolate teve um sabor diferente.
O nome é igual, mas o significado não é o mesmo, não pode ser o mesmo. Todo o processo que me leva a um lugar, a uma coisa, a um bolo, é o que lhe dá um significado diferente.
O nome é igual, mas o significado não é o mesmo, não pode ser o mesmo. Todo o processo que me leva a um lugar, a uma coisa, a um bolo, é o que lhe dá um significado diferente.
O caminho que faço de casa até à Pastelaria Avenida, ou ao supermercado onde compro o chocolate, os ovos e a farinha, faz do produto final – o bolo – uma coisa diferente. Saímos de casa por uma estrada de terra batida, com altos e baixos, passamos por galinhas, galos, cabras, cães, fracas (galinhas pretas com pintinhas brancas) e chegamos ao alcatrão. Entretanto já passaram três mulheres com molhos de lenha na cabeça, crianças com a farda da escola e as mochilas a roçar o chão e um vendedor de alfaces e tomate.
Já no alcatrão percorremos uma enorme Avenida, a Avenida 25 de Setembro, que nos leva até ao centro da cidade. Há bombas de gasolina, a lixeira, um sítio a que eu chamo a “loja das casas”, porque vende tudo o que é preciso para construir uma casa: canas de bambu, macotim (folhas secas de palmeiras/ coqueiros), tiras de borracha (de pneus usados) e chapas de zinco; ao lado ainda há uma venda de cabras que passam o dia amarradas a um poste, e até chegar ao fim da avenida, que se desce ao sabor dos buracos no chão, passamos por um vale de barracas, uma espécie de favela.
Do lado direito do vale temos a vista sobre o mar, do lado esquerdo a enorme Baia de Pemba a que se acrescenta uma mistura de coqueiros, bananeiras, papaieiras, embondeiros prateados, telhados de chapa de zinco e macotim, o azul-turquesa do mar e o azul céu da Baia.
Depois, ainda antes da Igreja que está sempre fechada, vem o campo de futebol do lado esquerdo, de terra vermelho sangue, onde todos os dias há correrias atrás da bola. Gosto de ver aquele quadrado cheio de vida e os miúdos que sobem às balizas e sentam-se lá no alto para ver o jogo.
Já na cidade, vejo um homem a vender patos, de patas amarradas, que entra nas lojas com os bichos virados de cabeça para baixo - leva dois na mão e deixa dois à porta, com um ar perfeitamente triste (eu não me canso que ver esta cena das galinhas, e agora dos patos, virados de cabeça para baixo e do seu ar infeliz).
Ainda antes de entrar na pastelaria ou no supermercado, há um pobre que vem pedir esmola, e eu penso 1001 vezes na minha vida, na dele e depois na minha, e depois na dele e penso naquela pobreza de alimento e depois na pobreza do espírito, daquele que acha que vai comer o mesmo bolo de arroz, se o comesse numa pastelaria em Lisboa.
Os nomes e os substantivos são iguais, mas aqui o significado é diferente. O nosso corpo reage de igual forma, e procura semelhanças, pontos de contacto, encaixes entre uma coisa e outra, mas o espírito "alimenta-se" de maneira diferente o que faz com que, depois do percurso feito, no final, tudo se torne diferente.
Comentários
Muitos parabéns pelos 33 anos!!!!!
Deixa-me dizer que estive contigo e com o Xano uma única vez (no casamento do Gonçalo e da Joana) e fiquei absolutamente fascinada com a nova etapa da vossa vida!
Agora, venho agradecer-te por partilhares toda essa aventura que me tem feito sonhar e viajar por essa maravilhosa terra!
Obrigada Rita!!!!!!!
É sempre um enorme prazer ler os teus "bolos"!!!!!
Maria
Nunca deixes de escrever.Nunca!!!!
Pois então uma pastelaria e numa avenida.E bolos de arroz.Por aqui, em Cascais, vai muito movimento nas ruas principais.Em Lisboa não sei como vão as coisas, já que não vou lá, já há muito.O Flash vai ter um quadro, aguarela , ao qual está a ser posta uma moldura.O quadro foi pintado por um artista de nomeada.Gostámos muito de os ver no ecrã.
também me lembro de ti e do teu marido, apesar de nesse casamento já estarmos meios "anestesiados" com a loucura que foram os últimos dias antes de deixar Lisboa...
é sempre para mim um enorme prazer saber que quando escrevo alguém do "outro lado" o aprecia!
o meu "trabalho" está assim cumprido.
continua por aqui, a partilha é o que torna a nossa felicidade verdadeira.
Bjs e saudades
Rita
Por aqui vai tudo na mesma.Pelo andar da carruagem qualquer dia tambem vamos ter patos à porta de casa com um aspecto triste.Está calor e em Cascais está tudo cheio de turistas.Tens mais um fã de ti e da tua escrita que é o tio António.Mandamos-lhe uma coletania das tuas prosas e ele gostou muito.Fez questão de que voltasse-mos a enviar mais prosas tuas e "quadros" teus.Toda a gente gosta de ler os teus "quadros".Abraços ao Chano , que nós aqui estamos sempre a torcer pelo glorioso e a pensar neles , no chano e no glorioso.
De facto o gosto de um "bolo" depende do sabor da nossa vida.
bj gd Ritinha
As tuas descrições são como um retrato verbal.
Até breve e bjs.
Muitos Parabens !
Desde que a Inês me falou no teu blog que venho cá quase todos os dias, adoror ler o que escreves.
Nunca deixes de escrever e descrever tudo o que vives.
Beijinhos para ti e para o Xano.
Cátia Leiria