Capitão Campo - o lobo-gago do mar
A nossa aventura na Ilha do Matemo, no acampamento de cabanas na Praia de Muanacombo, é contada pelo Capitão Campo.
Ele é o responsável pelo barco do Parque Nacional das Quirimbas (PNQ), pois foi pelo Parque que fomos dormir a este acampamento. A pessoa tornou-se para mim um personagem único, por reunir tantas peculiaridades que nenhum “inquérito de personagem” me conseguiu alguma vez fornecer.
Capitão Campo, ou apenas Capitão, é um homem entre os 30 e os 40 anos, mora na Ilha do Ibo, nas Quirimbas e trabalha para o Parque, ao comando do barco que percorre as ilhas e as une ao continente. Ex-caçador furtivo de tartarugas e tubarões, Capitão chegava a caçar 8 tartarugas por dia quando mergulhava no canal. Conhece todos os peixes e diz que os barcos são as “bolachas” dos tubarões – já viu um a dar uma dentada num barco. Gosta de relógios e óculos de sol, fuma um maço de cigarros por dia e é completamente gago.
Nessa manhã foi buscar a Tandanhangue (o porto em terra mais próximo das Ilhas Matemo, Ibo e Quirimba) quatro brancos que iam ficar a dormir no Matemo, nas cabanas na Praia de Muanacombo. Ele também ficava lá a dormir, com o Ibraim, técnico do Parque e mais outro marinheiro – todos trabalhavam para o PNQ. A maré fê-lo atrasar-se em duas horas. Ninguém se convence que naquelas ilhas e naquele pedaço de mar, quem manda e dita o ritmo da vida é a maré. O barco saiu pelas 9h00 carregado de 4 brancos, colchões, bidões de água e de gasolina, mochilas, comida e lanternas.
Ele é o responsável pelo barco do Parque Nacional das Quirimbas (PNQ), pois foi pelo Parque que fomos dormir a este acampamento. A pessoa tornou-se para mim um personagem único, por reunir tantas peculiaridades que nenhum “inquérito de personagem” me conseguiu alguma vez fornecer.
Capitão Campo, ou apenas Capitão, é um homem entre os 30 e os 40 anos, mora na Ilha do Ibo, nas Quirimbas e trabalha para o Parque, ao comando do barco que percorre as ilhas e as une ao continente. Ex-caçador furtivo de tartarugas e tubarões, Capitão chegava a caçar 8 tartarugas por dia quando mergulhava no canal. Conhece todos os peixes e diz que os barcos são as “bolachas” dos tubarões – já viu um a dar uma dentada num barco. Gosta de relógios e óculos de sol, fuma um maço de cigarros por dia e é completamente gago.
Nessa manhã foi buscar a Tandanhangue (o porto em terra mais próximo das Ilhas Matemo, Ibo e Quirimba) quatro brancos que iam ficar a dormir no Matemo, nas cabanas na Praia de Muanacombo. Ele também ficava lá a dormir, com o Ibraim, técnico do Parque e mais outro marinheiro – todos trabalhavam para o PNQ. A maré fê-lo atrasar-se em duas horas. Ninguém se convence que naquelas ilhas e naquele pedaço de mar, quem manda e dita o ritmo da vida é a maré. O barco saiu pelas 9h00 carregado de 4 brancos, colchões, bidões de água e de gasolina, mochilas, comida e lanternas.
No passeio pela praia, os brancos contam que viram o crânio de uma tartaruga – o Capitão Campo perdeu a conta a quantas caçou. Sabe tão bem onde elas andam, quase que as cheira. Mas tiraram-lhe esse prazer, como quem priva um viciado da sua droga. Ele vê as tartarugas como nuvens debaixo do mar, dá uma última golfada de ar, mergulha com a arma e entra dentro do mar. Passa uma barracuda, um peixe-leão, um cardume de raias, mas os seus olhos só fintam aquela casca dura e pesada. Elas nadam bem, mas a arma do Capitão é certeira. Por ter morto tanto animal debaixo de água, a pior sentença que lhe deram foi este trabalho no PNQ. Agora denuncia os outros que conhecia, encontra as suas armadilhas, as suas armas... É uma espécie de judas traidor do mar, mas um judas gago.
Os pés do Capitão em tudo parecem duas barbatanas, os dedos têm unhas invisíveis e são largos, tão largos como a força que fazia quando nadava para o fundo do canal. São 35 metros que se afundam, marcando a fronteira entre a barreira de coral e o mar alto. É aí que as baleias se passeiam e nessa tarde viram-se muitas ao longe, com o seu repuxo enorme, a sua brincadeira dentro e fora de água. Esta é a época de acasalamento e elas vão para ali, naquele ritual de amor cetáceo.
Ao chegar a tarde, uma cobra atravessa o acampamento, os brancos assustam-se. É um instante enquanto se faz noite, acendem-se as lanternas, deixando um rasto de cheiro a petróleo que vem carregado de nostalgia. De noites de verão sem luz, do sabor do sal na pele e de crianças com os pés carregados de grãos de areia. Na praia, as pegadas de pés pequeninos vão-se perdendo com as ondas que agora se enchem totalmente com a maré.
Prepara-se a noite com o vento que abana toda a praia, a aldeia desaparece na escuridão e o mundo recolhe-se como as velas de um barco.
Às 5h35 da manhã, Capitão Campo sonhava com uma tartaruga que o esmagava. O seu peso era tão grande que ele não conseguia respirar; deitado na esteira, na areia fria da cabana, remexe-se na tentativa de tirar aquele peso de cima de si. Lá fora o sol rompe as nuvens e aquece a praia, os pescadores vão saindo com o resto de maré que começa agora a vazar. Capitão Campo acorda atordoado e gagueja qualquer coisa – ele diz que fala com os peixes e as tartarugas e que eles o entendem, devia estar a pedir para a tartaruga sair de cima dele.
As garças brancas e pretas sobrevoam a praia e vão-se misturando em voos suaves e plenos, com o púrpura do céu fresco do novo dia.
A maré começa agora a esvaziar e a areia da praia vai crescendo. Com isso vêem-se vultos ao fundo, no horizonte. Andam a pescar marisco, conchas e polvos. As rochas baixas, ao nível da maré completamente vazia, enchem-se de todas as formas de vida. Os ouriços enterram-se no resto de água, numa tentativa desesperada de esconder os seus bicos agudos e negros, as estrelas-do-mar já partiram deixando a marca dos seus braços na areia molhada e as crianças vêm brincar junto das poças de água.
Capitão Campo - que até deve dormir de impermeável azul-escuro vestido, pois nunca o vemos com outra roupa, senão isso e o fato de banho - observa as mulheres a chegarem com os baldes e as panelas de metal na cabeça. Trazem polvos, muitos. Elas pescam-nos com ferros. Falam em mani, os brancos não entendem nada.
Prepara-se o barco para a saída de regresso a Tandanhangue com a maré que lhe é devida e Capitão Campo vai ao comando do motor de 15 cavalos que empurra o barco de madeira do parque. O barco onde o “prenderam”.
A viagem de quase duas horas faz-se entre cardumes de peixes voadores e o mangal carregado de cegonhas. Os brancos apanham sol no convés improvisado e há uma mulher que mete um creme branco no corpo. Capitão Campo não entende para que serve aquilo, quando a sua pele é tão negra e grossa de brilhante.
Deixa os brancos em terra, recolhe o motor e põe a vela ao alto. Volta ao Ibo em silêncio, ele e o outro marinheiro com a camisa do “007”. Os dois em silêncio, eles e o resto do mar que de tanto bater no barco já não o ouvem, nem o sentem.
Comentários
Que continues feliz.
Um beijo
Alberto Pereira