Pili Pili, baunilha e cravinho.

28 Julho – 4ªfeira

E mais uma vez estamos em viagem. Desta vez a caminho da Tanzânia – Dar Es Salaam (DES), para também passar uns dias em Zanzibar. O Zé a Paula têm o visto a caducar e por isso é necessário ir a uma Embaixada/ Consulado fora de Moçambique.

Para nós é também um bom pretexto para passear e conhecer mais um País africano. Ao fim de uma semana na nova casa, ela já é um bocadinho o nosso canto. As pinturas, os móveis e o “enxoval” ajudaram a compô-la um pouco mais. Agora só faltam uns sofás…
Já cozinhei sopa, uma quiche, camarão em barda e saladas. Sinto falta do banho quente de manhã e de um bom supermercado – em Pemba é tudo muito limitado, caro e de qualidade baixa. No mercado, onde abastecemos os frescos, dá-me a sensação que é tudo biológico – os legumes e a fruta duram pouco tempo no frigorífico, mas em compensação têm um sabor delicioso!

A cebola e alho são muito fortes! Esta é a época do tomate, então há tomate por todo o lado – depois deve desaparecer. Aqui come-se aquilo que vai havendo. O Yassine, o nosso empregado, está há 3 dias em casa doente. O Janeiro, empregado do Zé e da Paula, diz que ele tem malária. Ontem à noite choveu e tem estado muito vento – ainda não dei um mergulho na praia.
Ao fim de 2 semanas a internet e as comunicações voltaram a Pemba e pela primeira vez falamos no Skype! Fez-me confusão ser noite tão cerrada aqui e tanto dia lá, quando a diferença é de apenas 1 hora a mais…

Aterramos em Dar pelas 13h30 com um calor bem diferente de Pemba. Fomos directos à Embaixada de Moçambique, que afinal não nos serviu de nada, pois o tempo de espera do visto é de pelo menos 1 semana. Já não existe taxa de urgência e não nos compensa estar uma semana à espera. Além de que há assuntos que nos “aguardam” em Pemba, com alguma urgência.
Decidimos ficar até Domingo, quando temos voo de regresso. Até lá vamos até Zanzibar, partimos amanhã de ferry.

29 Julho – 5ªfeira
Acordamos às 6h30 da manhã para sair logo cedo em busca de informação dos painéis solares e outros materiais. Além disso queríamos ir ao mercado principal – Kariaku.
Ontem à noite fomos jantar no centro da cidade, num restaurante local com grelhados e comida indiana muito saborosa. Tudo à base de galinha (nem carne de vaca – pelo lado indiano, nem porco – pelo lado muçulmano) e vegetais.

Agora, como explicar a cidade, Dar Es Salaam, o Hotel e o Restaurante? As ruas, as pessoas, a mistura explosiva que por aqui se dá entre o Médio Oriente, a Ásia e África… mulheres de véu, o imã que enche as ruas à hora da reza, os vendedores de laranjas, de cana-de-açúcar em cubos (é delicioso!) e de amendoim e cigarros (compram-se cigarros à unidade) que seguram as moedas na mão e chocalham-nas, fazendo um barulho muito típico para chamar a atenção. Depois ainda há os vendedores de águas e coca-colas em cestos postos em cima da cabeça, os carros às centenas, os tuc-tuc, os carrinhos de mão, as buzinas, os autocarros e muito, muito trânsito! Ainda as lojas e mais lojas, comércio na rua, nas portas dos prédios, nos passeios… Agora juntamos ritmo, muito ritmo. Poderia ser um videoclip indiano, daqueles com muitos cenários e danças.

Os prédios da cidade são feios, com janelas cheias de grades, as ruas sujas, as paredes descascadas, lixo e restos de coisas… ratos e baratas. Os meus olhos, esponjas a absorver tudo isto. Quando eu era pequena e viajava, sempre me diziam os meus Pais: “abre bem os olhos!”, mas isso era porque eu vivia num “caganito” de um Pais e indo eu para qualquer outro local da Europa tinha era de ver a “evolução “ do outro mundo. Aqui o conselho para “abrir os olhos” serviria para eu tentar encontrar uma referência que fosse do meu mundo ocidental. Qualquer coisinha… nada. Tudo tão diferente, tão outro mundo, que os meus olhos, o meu nariz e a minha boca levaram um dia inteiro a “mudar o filtro” (o “filitro” como se diz em Pemba). E quando a “lente” se habituou aquilo tudo, gostou.

Gostou, porque no meio daquele caos, existe uma certa ordem – o caos é organizado e a cidade avança. Há aviões a levantar e a aterrar a todo o instante, a maioria dos produtos são produzidos no Pais (chá, manteiga, café, bolachas, compotas, especiarias, …) Aqui em Moçambique 95% dos códigos de barra são de África do Sul ou de Portugal. Não se compra nada feito cá, aqui não se produz quase nada. Ao contrário, na Tanzânia, sente-se a força do comércio e da economia a crescer…

Hoje, às 4h30 da manhã acordei com o imã, era muito bonito, parecia uma canção de embalar e eu deixei-me adormecer. O nosso Hotel em DES, qualquer coisa de inexplicável, mas memorável, tem uma escada de cimento forrada com uma alcatifa escura aberta para o exterior, por onde entram 794 melgas por minuto. O elevador está avariado e há um guichet por piso com uma senhora lá dentro, que eu não sei o que lá faz. A casa de banho do quarto era totalmente lavável, ou seja, o duche fazia parte de tudo. Quando tomamos banho lavamo-nos não só a nós como à casa de banho; o ralo era num canto, o chão inclinado e havia uma saída do duche quase em cima do lavatório.

Já no mercado do Kariaku misturam-se os sons com os sabores e temos gengibre aos montes, leguminosas de todas as cores, pimentas e açafrão. Chás e cafés, cheiro a baunilha e a canela
Saímos para Zanzibar num ferry às 16h00 e chegamos quase 2 horas depois – já no lusco-fusco. Não tínhamos conseguido marcar nada, estando no início de Agosto que é a época alta… depois de umas voltas pela “Stone Town”, encontramos um Hotel de um canadiano (The Asmani Palace) muito bem localizado, com o banho quente que tanto nos conforta e uma cama indiana lindíssima!
Saímos logo para jantar, numa praça / jardim junto ao porto com cozinheiros a preparar a comida mesmo à nossa frente. Não sei o que rapidamente me atraiu mais nesta cidade, e nesta terra. Mas logo, desde o primeiro minuto adorei Zanzibar! As ruas estreitas com as bicicletas e as motas, as lojas e o comércio. À noite, em vez do sol quente, havia uma penumbra que eu gostei e fez-me logo imaginar um sultão, um escravo e uma princesa com um véu. E o cheiro das especiarias, da baunilha e do cravinho.
A mistura de muçulmanos com indianos e negros é intensa. Grande parte da cidade foi construída no séc. 19, quando era um ponto muito importante de comércio do Oceano Índico, controlando os barcos que vinham com comerciantes muçulmanos para o Continente, com grandes mercados de especiarias, marfim e escravos. Em 1498 lá estiveram os portugueses (Vasco da Gama), mas depois foi com os árabes, que expulsaram os portugueses, e mais tarde com os ingleses que Zanzibar mais se desenvolveu, mas sempre em clima de revolta e exploração dos negros. Teve vários sultões, um deles que mandou construir um Palácio em ferro, que por ser tão quente, nunca conseguiu lá viver!
Em 1873, graças ao inglês David Livingstone, aboliu-se com a escravatura, num dos maiores mercados de escravos (slave market) que chegava a exportar 60 mil escravos por ano para o Continente. Em 1964 houve um massacre de 12 mil indianos e árabes, pelas populações negras revoltosas, deixando Zanzibar com apenas 1% de residentes não-africanos. Hoje é uma República, conveniente...
Dizem que a conturbada vida política desta Ilha se deve em parte à sua situação geográfica. Como se já não fosse complicado não se puder escolher o sítio onde se nasce…

30 de Julho 2010 – 6ªfeira

Acordamos em Zanzibar, com a nossa varanda sobre os telhados da cidade. Passamos todo o dia a percorrer a Stone Town e fomos até ao mercado central. Compramos malaguetas, vagens de baunilha, canela e sabão natural – feito na ilha.
Visitamos o antigo “slave market”, entrei numa Igreja e dei as minhas graças e enquanto ouvíamos o imã, houve um muçulmano que convidou o Xano a entrar na mesquita para rezar.
Imagino mil e uma histórias e enredos neste sítio.
Jantamos num último andar, descalços a ver o por do sol. E dou graças. Dou graças pelo que sou e pelo que tenho a sorte de ter – saúde, uma família que me acolhe e gosta de mim, bons amigos e um homem ao meu lado, que aqui tornou-se mais nítido do que nunca, que é a pessoa mais importante na minha vida.

31 de Julho de 2010 – Sábado

Hoje fizemos um passeio até à Ilha do Prisioneiro, onde fizemos uma praia. São 30 minutos de barco desde o porto de Zanzibar até uma pequena ilha com uma praia.
Vimos tartarugas gigantes e demos uns bons mergulhos.

De regresso à cidade, depois de um almoço tardio, o sol esconde-se a correr. No meio das minhas fotografias, que não consigo parar de disparar, houve um grupo de 4 senhoras muçulmanas que quiseram tirar uma foto comigo. As quatro de véu e eu de vestido de praia e havainas no meio delas. Perguntei se aquilo estaria correcto, ao que elas me responderam que estava lindamente!
Esta será a nossa última noite em Zanzibar.
Amanhã apanhamos o ferry pelas 9h00 até DES, para depois apanhar o voo de regresso a Pemba.
E penso que é bom voltar a casa, seja lá onde isso for…

Comentários

Anónimo disse…
Minha querida filha , meu querido genro.Acabei de ler tudo o que está escrito, mas vou ter que voltar a ler , porque ainda não saboreei convenientemente.Parece que uma terra onde se fala inglês é diferente de uma terra onde se fala português.Que sorte temos todos que sejas dotada e faças tão fantásticas descrições.Voltarei a contactar.
madalenafamaral disse…
É uma enorme verdade... bem me acontece n só o voltar a ler p melhor saborear e tentar visualizar aquilo q escreves mas tb q dotada és em descrever o q andas a experimentar por essas terras...
Tb fico feliz por essa nitidez c q vês esse homem ao teu lado...
Madalena
Patti disse…
Tem sido um prazer ler estes relatos do outro lado do mundo. Para quem não visitou nunca África, é como lá estar com estas tuas palavras.

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