Viagens africanas #
Viagem ao Niassa
Domingo, 10 de Julho 2011
Saímos de Pemba às 5h40 da manhã com
uma primeira paragem em Nampula. Compramos pão e bananas. Seguimos até Cuamba, pela
linha do comboio, já perto da fronteira com o Malawi, onde queríamos começar
pela visita ao Lago.
Passamos a
fronteira numa terra chamada “Entre Lagos”, o que serviria de porta de entrada
para uma viagem à terra de ninguém, o poderoso Niassa.
Já no Malawi escolhemos
dormir à porta do Parque de Liwonde, na linha da frente dos elefantes, que pelo
frio sentido na noite anterior, tinham partido para as montanhas.
Com o nosso fiel Toyota Hillux
entramos no Parque e pelo mapa do guarda, percorremos os trilhos daquela zona
protegida.
No dia seguinte tornara-se
impossível abastecer de gasóleo, as bombas estavama a seco no Malawi e por isso
tivemos de voltar a entrar em terra moçambicana. Fomos numa tirada até
Lichinga e daí para Metangula. E o Lago, o maravilhoso mar de Lago, apresentara-se
à hora perfeita de pôr-do-sol africano.
Ficamos a dormir na Praia de Chwanga,
numa casinha em cima das ondas de água doce. Eramos os únicos a ocupar o Lodge
em plena época baixa (Inverno). Tomei pela primeira vez em muito tempo um banho
de água quente. Os abençoados litros de água morna chegaram numa panela velha
da cozinha, que tinha sido aquecida ao lume da fogueira. Nunca um banho me soubera
tão bem e lavei a cabeça, como quem lava o corpo, por dentro e por fora,
aproveitando o calor para se fazer evaporar de toda a tensão da viagem e dos
quilómetros percorridos em estrada dura e de terra batida.
Amanheci com o barulho
ensurdecedor das ondas. Aquilo era afinal um Lago, mas conversava alto como o mar.
Em Lichinga preparamos o caminho até Niassa. Sempre poucos planos, nada
marcado, só a certeza de avançar.
Depois do café Delta e do queque na Pastelaria
Maria, seguimos até Marrupa.
Foram 350 km de uma viagem ao centro de nós. Por a
estada ser de bom alcatrão, permitiu aquela leve sensação de estar a conduzir
sem nos aperceber para onde vamos. Quem conduz são os braços e os pés, a
cabeça já não está ali. Os olhos vêem outras coisas. Horas de uma imensidão inexpressável
de vales e montes a perder de vista, tudo verde, tudo silêncio, gente que não
falava uma palavra de português, gente que não via gente há muito tempo.
Chegando a Marrupa, uma cidade
com Escola e bomba de gasolina, seguimos pelas dicas de amigos e indicações dos
locais, até à entrada da Reserva do Niassa. (dentro da Reserva só entram os
guardas, caçadores, escuteiros e rangers, as dormidas para visitantes são à entrada da
Reserva).
Corriamos contra o pôr do sol.
Cada raio que se escondia debaixo da terra, era menos um segundo que tínhamos de
luz. Em África o sol não avisa quando se esconde, ele simplesmente desaparece
sem deixar rasto. Mas África é afinal a casa dele, onde pode entrar e sair quando lhe apetece.
No lusco-fusco que nos guiou e com o
nosso carro que nunca nos abandonou, chegamos ao acampamento de Lugenda. Poucas
horas depois, ouvia-se um leão tão nitidamente como se ouve o sino da Igreja. Dois dias depois, de pura indulgência e prazer de estar no meio da selva africana com todas as condições e até grandes mimos, partimos para Montepuez, iniciando o regresso a casa, a Pemba e ao Ibo.
Sem mapas, nem sinal de telemóvel,
percorremos 6 horas de caminho com uma bússola e uma fotografia de um mapa dos
escuteiros no ecrã da máquina. Passamos por fogos, caçadores, babuínos, bifurcações
de florestas, montanhas ocas e velhas, até que chegamos. Chegamos à
cidade de Montepuez.
Só então tive a real noção do que
é o "porto-seguro". Do que é chegar verdadeiramente a um lugar que acolhe.
Esta viagem levou-me ao Niassa,
mas em mim ela continuou por tantos outros caminhos.
Tantos que um ano depois
ela ainda persiste.
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