Semana II; Good Hope Cape – Mossel Bay – East London – Durban – Nelspruit
















































A Garden Route é um “Krugger Park nº 2” de África do Sul. Muitos dos que visitam o País, fazem este pedaço de umas centenas de quilómetros da N2, que sempre indo junto ao mar, segue desde Mossel Bay até Port Elizabeth, passando por Plettenberg Bay e Jeffrey’s Bay. Estes últimos nomes, para quem é cromo do surf, sabe bem do que falo, e as praias são qualquer coisa de eu ficar outra vez sem adjectivos e palavras para descrever as paisagens e o mar…



Agora começa a parte rija da viagem, a que nós nos propusemos de chegar a Nelspruit ao fim de 5 dias: 2.417 km no total! Tinha de haver aqui algum desafio, senão não era a mesma coisa. E para ajudar ao plano de viagem, resolvemos no dia da partida visitar o Cabo da Boa Esperança.




Foi D. João II, o Príncipe Perfeito, que enviou uma missão exploratória ao Sul de África chefiada por Bartolomeu Dias e que em Janeiro de 1488 dobra o Cabo das Tormentas (depois da Boa Esperança), estabelecendo uma via de passagem entre os oceanos Atlântico e Índico.
Só nós faltou levar um daqueles kits do Euro 2004, porque tudo em nós era orgulho em ser português! A distância a que se está de Lisboa (de onde partiram as caravelas) é absurda, e pensar que eles se enfiaram naquelas casquinhas de madeira pelo globo abaixo é ainda mais absurdo. E o melhor disto tudo é que 10 anos depois veio o Vasco Da Gama repetir a dose para chegar à Índia. Gente com centelha de louco, só posso concluir.



A zona do Cabo da Boa Esperança é parte do Parque Natural da Table Mountain, e por isso completamente protegida e uma vez mais, lindíssima. Tem uns lagartos pretos retintos, que eu nunca tinha visto, altamente vaidosos, que se adoram fotografar e ainda montes de turistas que vêm ver a rocha que o Sr. Dias dobrou.



Tal como ele, seguimos no nosso Kia Rio 1.100, que mais parecia um isqueiro, até Mossel Bay, a próxima e última paragem das caravelas daquela expedição. Depois disso, o navegador resolveu voltar a Lisboa, como quem apanha a A5 para Cascais e pronto. “Venha de lá o Sr. Da Gama buscar o açafrão, piri-piri e cristãos, que eu quero é calçar umas meias quentes e comer uma açorda com rogões!” – deve ter o Bartolomeu desabafado com o seu contra-mestre.



Experimentem olhar para o Mapa-mundo e ver o caganito que é Portugal e depois com o dedo fazer o caminho, contornando o colosso que é África e ir até à Índia e depois dai, já agora, também até à Indonésia e ao Japão… Ficamos com a boca ligeiramente aberta. Eu andei assim uma semana inteira, porque é mesmo do caneco e isto tudo há mais de 500 anos…



Em Mossel Bay tomámos o pequeno-almoço numa praia (a partir de aqui sempre que me refiro a praia é sempre, sem excepção, uma praia maravilhosa, isto é, areia branca, ondas perfeitas, cheirinho a maresia, areal extenso, tudo em bom e tudo bonito!), com uma carrada de golfinhos que nos acompanharam nesse momento bem matinal.
Já na estrada, fizemos uma passagem em Port Elizabeth; isto no fundo era também uma forma disfarçada de reconhecimento de estádios de futebol do Mundial 2010, não totalmente assumida pelo meu mais-que-tudo, mas compreendida por mim. Chegamos a uma cidade com 1, 5 milhões de habitantes, onde o disléxico do GPS nos levou para uma espécie de ”centro da cidade”, que era uma mistura de Estação de Sta. Apolónia, Cais do Sodré e uma pitada de Meia laranja. Horror! Prego a fundo, mas ainda tivemos sorte e vimos o estádio!



Neste percurso, em que a Garden Route se junta com a Wild Coast, passamos pelo local de Bungy Jumping mais alto do mundo, com 276 metros que se atiram de uma ponte abaixo, no meio de um vale. Chama-se Face Adrenalin, bem a calhar. Por cima passam camiões TIR, e o nosso KIA Rio, também, e lá em baixo é um autêntico penhasco… houve um senhor de 96 anos que saltou daquilo, e eu só de ver fiquei 3 horas com arrepios contínuos. Eu, até que me achava uma radical e tal, despedida de solteira a fazer rafting e alguns anos de escalada e coiso, e assim que me imaginei com aquelas cordas a “amandar-me” tornei-me a totó do radical.


Havia 4 dias para fazer 1550 km, e por isso não nos podíamos alongar muito. Mas o cansaço já era bastante e depois do troço até East London, de mais de 600 km, resolvemos ficar duas noites nos arredores da cidade, em Chintza, numa espécie de retiro de surfistas e amantes da natureza. Ficamos literalmente no meio do nada, em cima de uma praia gigante (sempre que falo em praia já sabem!), num alojamento completamente enquadrado na paisagem e perfeito para um descanso merecido.
Depois de passeios e umas sestas na praia retomamos a estrada e lá seguimos até Durban, com mais uma “talochada” de 651 km. A paisagem muda drasticamente e o tempo também. Começamos a apanhar chuva, frio, nevoeiro e uma má estrada, que apesar de em bom estado, estava carregada de camiões TIR e era a subir e descer montanhas. Passamos para o interior, mar nunca mais vê-lo.


Passamos pelas cidades e aldeias 100% negras e 0% brancas, sempre a divisão presente.


Depois de tantas e tantas horas dentro do carro, no lugar de co-pilota atenta, cheia de mapas e à chapada com o GPS, comecei a perceber que havia várias técnicas para se pedir boleia na estrada: há os que estendem uma nota de 10 ou 20 rands, os que apontam para o céu, como quem diz: “sou só eu, não vou com anexos para dentro do teu carro” (aquela gente transporta-se em múltiplos de 4 normalmente), e finalmente os que mostram um papel com as iniciais da cidade para onde querem ir.


Passamos por sítios muito mais rurais, com cavalos e cabras, vacas e uns cães perdidos. Estava tudo muito seco e muito amarelo, e o engraçado é que os pretos pintam as casas às cores, gostam de as colorir, e isso faz um contraste bem giro. (os pretos são pretos, e não são “de cor” ou “negros”, eles próprios se tratam assim e querem ser assim tratados).



Foi um caminho bem mais difícil e por isso muito mais cansativo. A chegada a Durban já foi perto do por do sol, chovia e nós só queríamos descansar e tentar marcar as dormidas em Nelspruit e no Krugger Park. Mas vimos o Estádio, que é belíssimo!



Manhã seguinte, bem cedo, fomos para a estrada: os últimos 700 km da viagem! Uma loucura, porque foram os mais duros! O tempo continuava mau, o frio apertava, com muito nevoeiro, e pior é que a estrada estava péssima (buracos, obras). Praticamente de 50 em 50 km parávamos porque havia trabalhos na estrada, chegando a esperar 20 minutos para passar. E tudo isto com uns 9ºC, e nós já cheios de camisolas e produtos feitos de lã, mas agora com stress pós-traumático do frio dentro de nós. Nem saíamos do carro e só comíamos bananas, bolachas e fatias de pão de forma com queijo, que nem esquilos a fazer reservas para o Inverno.



Já tínhamos feito mais de 3.000km no total, e por acaso nunca tínhamos tido um furo ou assistido a um acidente (pois fomos bem avisados de que a África do Sul tem uma taxa horrenda de acidentes na estrada). Até este último dia em que uma manada de vacas andava solta na berma da estrada (passamos por várias) e uma das vacas resolve entrar no alcatrão.

E tudo se passou a 5 metros à nossa frente, na faixa contrária, em que o carro que vinha de lá, para não se atirar para cima de nós, levou com uma vaca. Foi horrível, estava o chão molhado e via-se mal.


Não parámos. A berma estava cheia de vacas, a probabilidade de acontecer o mesmo era alta e nós só quisemos sair dali o mais rápido possível. Com a imagem da vaca e do carro sempre à nossa frente, que até mesmo se sobrepôs ao trauma do frio, chegamos finalmente a Nelspruit! (não sem antes termos ido parar praticamente a Maputo, pois mais uma vez o GPS baralhou-se de tal maneira que nos pôs a andar numa estrada sem fim)



Chegamos! Agora seriam 3 noites em Nelspruit, uma delas perto do Krugger, no último dia entregar o carro no Aeroporto e apanhar um autocarro para fazer pouco mais de 200km até Maputo. Chegar a Maputo, era, para nós, muito equivalente a chegar finalmente a “casa”!


Foram 16 dias sempre em movimento, na maioria em estrada e já a roupa que andava na mochila cheirava mal, andava com o mesmo polar há 15 dias e as calças já se punham de pé sozinhas.
Mas antes, claro, haveria a grande aventura do Krugger e nós estávamos mortos de cansaço, mas cheios de vontade para vivê-la!

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