O Sr. Zé
Conheci o Sr. Zé quando comecei a andar de bicicleta.
Devia ter uns 10 anos quando acompanhava o meu irmão, ou os meus primos, à oficina do homem mais mal encarado que alguma vez tinha conhecido na minha (curta) vida.
Para mim o Sr. Zé vivia dentro daquela oficina e até devia lá dormir todos os dias.
Não devia ser Pai, casado ou ter qualquer tipo de família. Era simplesmente o dono da única oficina que existia a uma curta distância de casa para encher os pneus, alinhar a direcção da bicicleta, pôr óleo ou arranjar a corrente que tinha saltado.
E era mal disposto. Sempre foi.
Nunca o vi sorrir, nem podia imaginar que tivesse dentes.
Para mim ele comia criancinhas ao pequeno almoço, porque simplesmente as odiava assim como detestava todas as bicicletas do Universo.
Ele tinha uma oficina de bicicletas porque alguém o deveria ter obrigado a isso, porque ele gostava mesmo era de motas.
E para mim sempre foi assim, até encostar a minha bina a um canto a ganhar ferrugem...
Mas os movimentos da vida são cíclicos e perfeitos e eu regressei à oficina.
O carrinho do M. é com rodas xpto, autênticos pneus que têm de ser enchidos tal e qual como se fosse uma bicicleta.
E eu pensei em dar uma segunda oportunidade ao mundo e provar que as pessoas, talvez, possam tornar-se diferentes.
E fomos ao Sr. Zé.
Ele estava no mesmo sítio de sempre: sentada a uma secretária a ler o jornal.
Levantou-se, reconheceu-me assim como a minha Mãe, mas os olhos dele foram todos para o pequeno M. que dormitava no carrinho.
Vejo-lhe um primeiro sorriso.
Arrisco: "Sr. Zé, tem aqui o seu mais jovem cliente que precisa de encher os pneus...!"
Ele sorri outra vez, derrete-se com o meu filho.
Recorda os netos, que já são adultos (afinal ele tem uma vida normal, pensei), desdobra-se em carinhos para dentro do ovo, suspira como se fosse um adolescente e enche os pneus do Martim cheio de genica.
O tempo não passou pelo Sr. Zé, ele está igual, como há 25 anos atrás.
Eu é que talvez hoje já esteja diferente!
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