A Geração do Meio


Esta aqui ao lado, no meio das flores do campo e das caixas da fruta, sou eu com pouco mais do que 5 anos.
Dizem que com essa idade já temos tudo preparadinho para construir a nossa personalidade. Eu estava a crescer.
Já fiz 30 há dois anos. E lá vou caminhando para os 35. A personalidade já toda construída, mas ainda a crescer.
Quando fiz 30 anos dei-me conta que eu, mais os outros que nasceram naqueles anos 70 pré e pós 25 de Abril, somos uma geração esquecida. Somos os irmãos do meio, que estão sempre a querer chamar a atenção do mais velho e ainda a querer brincar com o mais novo. Somos uma geração tipo sanduíche, bem encaixadinha no meio, indiferente se é manteiga ou queijo, o que importa é o pão por cima e por baixo.
Não nos lembramos do 25 de Abril, porque não estávamos na Escola, nem nos disseram para ir para casa sossegados. Não lemos "O Crime do Padre Amaro" às escondidas, nem escritores franceses intelectuais, não fumámos marijuana, não nascemos em Angola ou Moçambique, não nos filiámos em nenhum partido...
Mas brincámos na rua, ouvíamos gira-discos e usávamos cotoveleiras nos pull-overs sempre azuis escuros, verdes ou encarnados. Lembramos-nos de andar com os joelhos todos esfolados, jogar à mosca e saltar à corda. Sabemos que os carros eram quase todos feios, não tinham vidros eléctricos, a nossa roupa era normalmente coçada e do irmão ou da prima mais velha, as pastilhas elásticas custavam dois e quinhentos e havia o corneto de laranja.
Vivemos tudo aquilo que era o "antigamente"; as coisas eram como eram, pouca coisa e alguma alegria. Depois veio a Europa, a CEE. Que novidade. E depois veio a loucura dos anos 90, quando nasce precisamente a geração que agora se prepara para entrar na Faculdade. Aquela que sempre foi à Zara, comeu McDonalds sem guardar a primeira palhinha de recordação e acha o Eça de Queirós uma autêntica seca. E nunca, mas nunca, se irá lembrar de nada do que foi o 25 de Abril.
Nós aqui andamos. Perdidos.
Não nos juntamos a ninguém. Os mais velhos insistem em que muita coisa mudou e era diferente, antes do 25 de Abril. Que é preciso termos posições políticas, pensar sobre o papel do Estado, debater ideias e opiniões. A revolta.
Os mais novos esquecem-se de que existem. Acham que nunca vão ter de tratar de nada, porque alguém vai tratar disso por eles. Não pensam, não querem saber. É uma carência de existência brutal.
Nós, os do meio, sabemos que muita coisa mudou, porque no Natal recebíamos dois presentes e havia dois canais de tv. Sabemos que há falhas graves no Estado português, porque na nossa Escola levávamos reguadas da Professora e tínhamos medo das contínuas nos intervalos.
Mas sofremos. Os nossos Pais não compreendem o que é ser free lancer e passar recibos verdes. Comprar casa não é um luxo, nem mudar de carro. Não temos de ter sempre o mesmo emprego e somos despedidos enquanto o diabo esfrega o olho. Podemos não querer ter filhos. Podemos querer ir viver para o campo e ser agricultores.
Nós não queremos a revolta. Não queremos ser Ministros, nem procurar tachos.
Queremos existir, simplesmente. Construir o viver. Sentir as feridas e as dores. Pensar no esquecimento.
Mas o que é isso? Ou nos revoltamos porque sentimos o 25 de Abril ou aderimos às calças que roçam o chão, como coisas que vão sendo e durando sem qualquer fundamento.
Somos uma geração empacotada num rótulo sem nome. Nunca fomos "Geração Rasca" (se fomos, a de agora é o quê? Podre?). Somos uma geração tipo Porto vintage. Só de muitos em muitos anos é que lá calha uma colheita assim. Que saí das normas e dos parâmetros standard.
Mas que talvez por isso, seja única e muito especial.
Tomem atenção.

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