Indignada
Estou indignada com esta juventude. Estes jovens imberbes, legítimos caçadores de ideais perdidos, que
se juntam às Manifestações e se dizem indignados.
Que o povo, que ainda se julga
"o povo", mas não compreendeu que já se passaram 30 anos desde o 25 de Abril, e
já não existe povo nenhum, existe sim uma ideia de classe, mas no fundo queremos
todos o mesmo: ir de férias uma quinzena em Agosto e comprar uma bicicleta nova
para o filho no Natal. Dizia eu, que o povo se revolte, tudo bem, faz parte. E "o Partido" também assim é. Que se diga:
unido jamais será vencido. Sim senhora.
O que me indigna são "aqueles" que há mais de um mês abancaram à porta da AR, com alguidares de
plástico e garrafões de água do Pingo Doce, numa de negar o luxo burguês e de dar um ar de dissidente e
desleixado porque isso até é uma cena fixolas. Não contribuem um
chavelho para a Economia, muitos aposto que nunca fizeram uma declaração de IRS, não sabem o que
é estar à espera de uma consulta ou de uma cirurgia, não sabem o que é ter de
sustentar quatro filhos, tendo três empregos, não pagam IMI ou IMT e muito menos o
selo de um carro ou de uma mota. Isso é o que me indigna. Muito.
Quando eu estava em Moçambique, conheci aldeias inteiras sem dinheiro, era possível viver-se sem um centavo. Aqui, não é bem assim. Até para se ser indignado é preciso ter algum, e eles até têm um computador portátil. São por isso uns indignados- yuppies.
Bebem litrosas e fumam droga, tocam
uns tambores e escrevem uma frases nuns cartões. E quando aquele povo, povinho
miúdo, sai à rua a gritar, porque tudo o que lhes resta é gritar - como
isto está, o caminho vai ser sempre a descer - estes indignados, que se dizem um
movimento, exteriorizam a sua revolta, ou seja, dão aso à sua indignação.
Mas
há por aí muito ferro velho e edifícios devolutos em Lisboa a precisar de umas
intervenções e demolições, eles bem que podiam dar uma ajudinha, pôr-se aos
pontapés e fingir enfrentar a polícia, como tão fortes e corajosos que são.
Porque quem não tem para comer,
sem ser deitando-se todos os dias às onze da noite e acordar às cinco da manhã para ir
limpar escadas e as casas dos outros,
também não tem para se indignar. Então,
afinal quem se indigna? Parece-me ser quem tem educação e
talvez cérebro pensador, mas quem também tem de
descarregar os recalcamentos da sua infância atribulada, algures entre o
consumismo obsessivo e a ausência total de uma estrutura familiar, culpando o mundo e a sociedade onde eles mesmos fazem parte. Somos todos o 100%, não há 99% e 1%, como eles tão bem se colocam nas franjas do mundo, quais vítimas do sistema. Eles são também o sistema. A culpa é NOSSA.
Pobre povo. Apenas queria mostrar
as suas bandeiras novas, os novos cantares que ensaiaram numa garagem da Moita,
os cartazes que mandaram fazer numa tipografia que era de um familiar do Álvaro
Cunhal. Deixem o povo com ele próprio. Que ele se entende muito bem. As
greves sempre existiram.
Mas agora essa gentinha armada em malta alternativa, que
dorme em tenda em frente à AR em Lisboa (por quem eu passo quase todos os
dias) e literalmente não fazem ali nada, a não ser dar imagens de uma certa
postura, armados em nómadas modernos - são esses que me indignam. Penso muitas vezes que não sobreviveriam
um mês a viver no Ibo, e que aquele estendal e show-off é isso mesmo,
uma treta sem sentido nenhum.
Quem trabalha, não se pode indignar. Nem tão pouco entende porque se indignam os indignados. Só querem "o seu" no
final do mês. E se "aperta", passam a comprar o papel higiénico do LIDL em vez do
Mini-Preço.
Os indignados não são a voz de
ninguém, senão deles próprios. Uma cambada de gente egocêntrica, que acha que
defender ideais é uma nova forma de filosofia de vida, que tendo um computador
e a carta de condução são cidadãos e por isso têm o direito de abancar à frente
de um edifício - símbolo do Estado a fazer fogueirinhas à noite com violas.
A revolução, e a legitimidade do conceito de
liberdade e cidadania já veio de 1789, das chamadas luzes, que põem a nú a
noção de sociedade civil e trazem à discussão movimentos tão interessantes e
vastos. Isso já foi feito e isso está gravado na História do Mundo.
Os indignados, se querem ficar
para a História, como os seus antepassados, não é com reuniõezinhas à fogueira
que vão lá. Se querem mesmo ficar conhecidos como um movimento, que actuem com estrutura, firmeza e exemplo, com ideais,
conceitos e correntes de pensamento,.Com cabecinha e não com murros e
pontapés.
É por isso que ando indignada com
esta gente, que se perde em tardes de litrosas e ganzas, em vez de tomar um
banho, vestir uma camisa lavada e começar a estudar e a estruturar o
pensamento. Só assim a História evolui. E o que me assusta é que o futuro
parece pouco nítido e denso, e a brincar às cabanas não vamos lá. Eu também não
fiz a coisa correcta, eu "desisti" deste País durante um ano. É certo que voltei, mas
efectivamente desisti. Porque, lamentavelmente, esta classe, que não
percebo ser média, se baixa, se alta, parece-me na sua maioria ser muito fraquinha de cabeça, a sua intelectualidade é
muito, muito fraca.
O que eu acho que realmente
ficará para a nossa História é que nunca
pessoas com tão pouca estrutura mental e intelectual, tiveram tanta voz e tanto
poder.
Comentários