Riquezas da vida



Foi acerca das minhas nódoas negras que, aliás, continuam.
Duas vezes por semana lá vou eu rua abaixo, calçada acima.
Este é um dos estúdios que usamos para as aulas de Ballet e Contemporâneo.
Os alunos estão agora a escassas semanas das audições, para entrar na Escola Superior de Dança. Eu apenas estou a escassas semanas de ficar sem aulas.
Para o ano, se assim for possível, regresso ao Ano Zero. Assim, será até ao infinito, que a mim já não me apanham nas audições!

Mas, e o gozo que dão estas aulas? Estas horas de música e de coreografias, exercícios e alguma palhaçada, como convém? E os meus colegas, miúdos fantásticos, que todos os dias têm aqui aulas ao final da tarde?
A Adelaide, que é de Braga e veio viver para Lisboa, alugou uma casa em Sintra, trabalha todos os dias no Colombo, na Loja da Zippy, e espera este ano conseguir entrar na Escola.
O Fábio, a quem os Pais sempre negaram o sonho de seguir Ballet, foi para as danças de Salão, mas afinal era só para confundir os Pais, e assim que conseguiu, meteu-se nestas aulas para preparar a audição em Julho.
E o Angelo, Professor de Fisico-Química, mas na verdade o que ele quer é ser bailarino, dá aulas num Liceu durante o dia, e ao fim da tarde dedica-se à dança que sempre quis?
Todos são seguidores do seus sonhos e eu gosto de estar no meio de sonhadores! 

Para além de, e especialmente nas aulas de Ballet, ter o privilégio de ter uma Professora (com menos 10 anos do que eu) que quando simplesmente marca um exercício põe as pernas a 90 graus, estica o pé numa ponta perfeita, mexe os braços como se fossem asas. Tem um corpinho quase de aspecto enfermo, a pele transparente, os olhos fundos, o cabelo, que ela raramente solta, é comprido, como comprido é o cabelo de uma bailarina, e quando dança (com uma tal maneira enfadonha de marcar os exercícios) deixa-me sempre em estado de alienação.
Conseguia ficar horas a vê-la dançar.
Tudo nela faz sentido, e é isso que deve distinguir um enorme bailarino de um bailarino bemzinho. É a forma como tudo se conjuga na pessoa, como a sua presença só nos pode remeter para a certeza de que estamos perante alguém para quem a dança faz parte de si.
E quem tem isso, seja com a dança ou com qualquer outra coisa, é dono da maior riqueza do universo.


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