Das coisinhas da vida #6


Dos vizinhos.



Certamente que este tema já terá resultado em várias teses de mestrado e até, arrisco dizê-lo, de doutoramentos honoris causa, dado a riqueza e a densidade da sua natureza.

Os vizinhos não se escolhem.


Venha daí a primeira pessoa que diga que nunca teve “assuntos” com vizinhos. É tão inevitável a qualquer ser humano como trocar a dentição de leite para definitiva. Nem mesmo vivendo numa Ilha a meio caminho do fim do mundo, eu me livrei deles. Neste caso até eram cabras que me acordavam às 4h30 da manhã a bater com os cascos no alpendre da casa, para onde dava a janela do meu quarto. 


Moro num Bairro típico de Lisboa, onde a vizinhança é um assunto sério. As varandas das casas, todas de traça antiga, são os lugares cativos das que eu considero estarem no topo da arte em "vizinhar". Têm os corrimões das varandas acolchoados, em alguns casos com direito a banco, e passam as suas determinadas horas a dar conta dos movimentos na rua. Sendo uma zona de pouca circulação de carros, é um arregalo para a vista dar conta de quem passa, de quem sai, de quem entra, de quem estacionou mal o carro, de quem não abriu a porta ao carteiro.


Pode parecer um sufoco para algumas pessoas, mas eu divirto-me com estes vizinhos que têm conversas autênticas entre varandas, uns com os outros. Ou seja, dá-me ideia que falarem ao nível do rés-do-chão, com os pés na calçada, é coisa que nunca acontece. A relação é de varanda para varanda, cada um no seu poiso. Há também homens nestas lides, não se pense que isto é coisa só dada ao mulherio. Tenho um vizinho que está permanentemente à varanda em pijama e dá-se muito à conversa com a vizinha da frente. Na varanda, nunca o vi sem ser em pijama. No dia em que o vi a passar na rua, devidamente vestido, não o reconheci.


Houve um dia em que tendo ficado fechada no pátio (morava num rés-do-chão), com um muro a toda a volta, não tive outra hipótese senão gritar por ajuda. Foi a vizinha do prédio do lado que me ouviu. Estava a chover. Ela atirou-me um chapéu de chuva lá de cima e ligou para o meu marido, que me veio socorrer.


Há uma outra vizinha que observa as brincadeiras do filho pela varanda de um 2ºandar, a ver se ele faz asneiras enquanto dá toques na bola. O puto não deve ter mais do que 8 anos. Chama-se José Pedro, mas ela lá de cima grita bem alto: “Oh  Ramalho!!”.
Quando em casa ouvimos isto, já sabemos que o Ramalho está a fazer porcaria. O puto brinca com os filhos dos outros vizinhos e eu gosto de os ver  "soltos", tal como eu brincava junto à casa dos meus Pais. Não havia carros, não se conheciam pedófilos (já os havia certamente), não havia horários e actividades extras. O “extra” era ir para a rua. Lembro-me de tentar acabar a correr os trabalhos de casa, para “poder ir para a rua”.
Era a minha melhor recompensa.

Vivemos tão próximos uns dos outros, mas dentro dos nossos "caixotinhos" fechados à chave estão vidas tão distantes e distintas. A aproximação deveria ser natural, mas quase sempre é complicada e muitas vezes conflituosa. O fenómeno da vizinhança até se dá com os cães e gatos. É universal.
São grandes questões. É isso e perceber se o Benfica consegue ou não este ano ser Campeão.

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