o Xico foi ao Ibo
agora tenho saudades do ibo, como quem tem saudades de um túmulo para o qual se sabe estar talhado.
é essa a liberdade e o susto de áfrica. a hipótese de se ser esquecido, a possibilidade inerente do desaparecimento. uma parte de mim teme-a, outra parte sente-a como algo que sempre significará saudade. eu sei, é um cliché, um horrível cliché português, mas não é isso que pretendo, apenas quero dizer que há um rombo que agora habita em mim. nele posso ver o capim deitando-se no horizonte dos inselbergs, ou os trilhos de matope por entre o mangal da baixa-maré. para lá disso que existe? só a memória das cidades. e de que lhes serve o betão, o cimento, o tijolo, o alcatrão e o ferro? onde eu estive, todas as cidades são ténues.
é essa a liberdade e o susto de áfrica. a hipótese de se ser esquecido, a possibilidade inerente do desaparecimento. uma parte de mim teme-a, outra parte sente-a como algo que sempre significará saudade. eu sei, é um cliché, um horrível cliché português, mas não é isso que pretendo, apenas quero dizer que há um rombo que agora habita em mim. nele posso ver o capim deitando-se no horizonte dos inselbergs, ou os trilhos de matope por entre o mangal da baixa-maré. para lá disso que existe? só a memória das cidades. e de que lhes serve o betão, o cimento, o tijolo, o alcatrão e o ferro? onde eu estive, todas as cidades são ténues.
Assim como uma carraça usa o corpo de um cão para sobreviver, eu uso as palavras do Xico que me tranquilizam. Eu sabia que ele iria escrever isto, só esperava pela oportunidade. Foi assim que ele me disse: vou a Moçambique, que eu lhe respondi: tens de ir ao Ibo, faças o que fizeres.
Não sei que fenómeno se pode chamar usar desta forma um amigo, uma pessoa com quem eu escrevi lado a lado durante anos, uma pessoa que eu sabia perfeitamente o que iria sentir lá, naquele mesmo sítio onde vivi, onde brinquei com a realidade, com o mundo e quase com a vida.
O Xico foi lá e já voltou a Maputo. Há dois dias escreveu este email. E eu assim adormeço a ferida, que não sei por isso estar mais em crosta ou mais em sangue. É o cliché de África que dói como dores fantasmas, de membros que já não são nossos. E dizem que é assim até ao resto da vida. O danado do vírus africano que o Xico resume a duas linhas, ou não fosse ele um genuíno arquitecto de palavras:
faz medo a imensidão deste lugar, mas também faz o fascínio dentro do homem. nunca tivera tanta noção da pequenez, da fragilidade, da insignificância do ser na terra.
Nota: o Xico é arquitecto e também escritor, tem um Blogue http://cenascoisasetal.blogspot.pt/ que tem estado desde o princípio deste Bolo-de-Arroz, na coluna do lado esquerdo.
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