Ser uma parte do rebanho...
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Com um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes,
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva toda.
Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos I
Estou feita uma convertida.
Descobrir estes versos é para mim uma maneira de não me sentir tão sozinha. Não sou poeta, não sou escritora. Sou só uma pessoa que se sente sozinha. Que sempre escreveu por se sentir sozinha.
Que teve medo de soltar as amarras de um barco preso ao Porto, e de o ver partir. Mas que agora, e cada vez mais, sente que é tempo do barco se ir. E se soltarem as cordas salgadas e velhas. Como se tudo fosse salgado e velho. E é esta estranheza no meu sentir que me faz uma convertida.
Pensar incomoda como andar à chuva.
(...)
Toda a paz da Natureza sem gente.
São versos escritos com palavras pobres, sem adjectivos, como se fosse uma forma crua de escrever. Assim como é uma maneira crua de se viver.
Numa poesia escrita há 100 anos, está a verdade que afinal eu farejava desde que nasci.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
Afinal a tristeza é quando a alma já pensa que existe.
E o alívio que isto me dá.
A minha alma existe, ela pensa, assim ela é triste. Não podia ser de outra maneira.
As cordas velhas e salgadas largam-me. E eu sigo sem o medo.
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Com um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes,
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva toda.
Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos I
Estou feita uma convertida.
Descobrir estes versos é para mim uma maneira de não me sentir tão sozinha. Não sou poeta, não sou escritora. Sou só uma pessoa que se sente sozinha. Que sempre escreveu por se sentir sozinha.
Que teve medo de soltar as amarras de um barco preso ao Porto, e de o ver partir. Mas que agora, e cada vez mais, sente que é tempo do barco se ir. E se soltarem as cordas salgadas e velhas. Como se tudo fosse salgado e velho. E é esta estranheza no meu sentir que me faz uma convertida.
Pensar incomoda como andar à chuva.
(...)
Toda a paz da Natureza sem gente.
São versos escritos com palavras pobres, sem adjectivos, como se fosse uma forma crua de escrever. Assim como é uma maneira crua de se viver.
Numa poesia escrita há 100 anos, está a verdade que afinal eu farejava desde que nasci.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
Afinal a tristeza é quando a alma já pensa que existe.
E o alívio que isto me dá.
A minha alma existe, ela pensa, assim ela é triste. Não podia ser de outra maneira.
As cordas velhas e salgadas largam-me. E eu sigo sem o medo.
Comentários