Diários - I
Pemba
Mesmo depois de já ter regressado a Moçambique há um mês, não consigo acordar um bocadinho mais tarde... eram 6 da manhã quando olhei para o despertador pela primeira vez. O calor começa a crescer a partir dessa hora e normalmente não consigo ficar na cama para além das 7. Hoje cometi a loucura de me levantar às 7h35!
Como por aqui é noite cerrada às 6 da tarde e às 9 e meia estou na cama de livro nos braços, acordar às 6 da manhã é como se fossem umas 10 em Portugal. Julgo eu. Às 4 e meia já há luz do nascer do dia, os galos cantam a meio da noite pelas 3 da manhã, e às 8 todas as lojas na cidade estão abertas.
Acordo sempre eu primeiro e fica o Xano a dormir, a quem eu todas as manhãs invejo essa capacidade de se abstrair dos galos, dos pássaros que moram no telhado por cima do nosso quarto, e que todas as manhã fazem autênticos concertos, dos empregados das casas ao lado que falam em macua uns com os outros, como se estivessem todos a discutir mas afinal estão p'raí a falar do tempo, das crianças que brincam e que também gritam, da música da vizinha do lado que mais parece um rádio partido com o volume no máximo e altamente estridente, do calor que penetra dentro das quarto paredes, da luz que invade tudo, de toda a vida que começa cedo demais para mim que sempre vivi num outro mundo.
Adiante.
Deixo o meu Príncipe no seu sono profundo e começo o meu dia que já tem um ritual muito próprio, só alterado ligeiramente quando falta a água e a luz.
Começo por aquecer a água para fazer chá e café, encho a panelinha e ligo o único bico do fogão eléctrico - só tenho um bico para cozinhar, e assim tem sido estes meses - e deixo o alguidar com a roupa suja, o OMO e as molas à porta de casa para o Yassine assim que chegar comece logo por lavar a roupa.
Depois venho para o computador, ligo a internet e todas as manhãs fico de olhos muito abertos a presenciar esse momento: "vamos ver se hoje há ou não...". Há. Muito bem. Vou ver emails, o blog, outros blogs e outras notícias.
Se tenho fotos que tenha tirado no dia anterior descarrego e organizo-as nas suas pastas. Hoje tenho, e muitas, mas a máquina ficou sem bateria e por isso tenho primeiro de a recarregar.
Passado um pouco não se aguenta o calor na sala e eu ligo a ventoinha - o Xano continua a dormir como um anjinho. Pouco tempo depois ele aparece - sempre muito ensonado e já a reclamar o barulho da ventoinha. Tomamos o pequeno almoço os dois.
Saimos ainda antes de almoço para ir beber um café e fazer algumas compras que faltem, sendo que eu de manhã já estive a pensar no almoço. Vamos ao Banco, ou tratar de alguma coisa mais urgente - hoje, por exemplo, temos de ir reclamar a nossa box da tv que avariou!
Regressamos a casa pelas 12h30 e preparamos o almoço. O Yassine vem à tarde limpar a casa, lavar a loiça e passar a ferro e nós voltamos a sair para mais algumas coisas com ir às Finanças ou ir à Praia. São dois universos muito próximos!
Pelas 17h00 fecha tudo, as pessoas recolhem-se tal como o sol e nós regressamos a casa.
Preparamos o jantar ou até vamos comer qualquer coisa fora e o dia termina.
Estes foram mais ou menos os nossos dias por esta cidade, sendo que a partir desta semana tudo irá mudar um pouco. Devemos partir para o Ibo dentro de poucos dias, ainda não sabemos quando. Estamos a aguardar a vinda de um barco (dhow) que vem carregado com 10 mil molhos de macotim (folhas de palmeira que servem para fazer os telhados) e que no regresso a casa, em Pangane, leva-nos a nós e a mais uma arca congeladora, um gerador, um fogão, caixas de ferramentas, bidons de gasolina, bilhas de gás, caixotes de comida, loiça e roupa até ao Ibo - que fica a caminho.
Resolvemos fazer desta forma pois é mais prático e sempre mais aventureiro, uma vez que nós vamos no barco fazer essa viagem que dura 12 horas! É metade feita de dia e outra metade durante e noite- sempre à vela. Hoje está lua cheia e se partirmos nestes dias será uma viagem inesquecível - já falamos com várias pessoas que a fizeram e dizem que muitas vezes vê-se o fundo do mar com o luar e os golfinhos aproximam-se do barco (e na época das baleias também elas).
Assim, iremos estar entre o Ibo e Pemba a resolver todas as nossas coisas e a ver se finalmente começamos a nossa nova vida aqui. Primeiro há que organizar todas as coisas à nossa volta para depois, finalmente, a cabeça, o corpo e o espírito serenarem. E será nessa altura que o nosso sonho irá começar a tomar forma, movendo-nos na sua concretização.
São precisos muitos movimentos, fazer coisas, ir, buscar, levar, comprar, meter, pensar, falar, discutir, conversar e muita ginástica de ideias que no final irão tomar a forma de um projecto a dois.
Estes dias por Pemba também foram diferentes pois finalmente começamos a conhecer outras pessoas, da nossa idade, que vivem por aqui e trabalham em projectos com ONG's e outras Instituições. Portugueses, finlandeses, austríacos, suíços, espanhóis, sul americanos, alemães, californianos, franceses - uma mistura de gente e de culturas, num grupo muito original e peculiar!
Ontem fomos com um grupo assim, tipo "salada russa", fazer um passeio às Cascatas do Rio Lúrio (que fica próximo de Chiure a caminho de Nampula) e ainda fomos para o meio de uma aldeia conhecer o José, um homem que colecciona cobras, tira-lhes o veneno, guarda-as em casa e quer ser um artista.
Brevemente sai um Bolo "benenoso"!
Mesmo depois de já ter regressado a Moçambique há um mês, não consigo acordar um bocadinho mais tarde... eram 6 da manhã quando olhei para o despertador pela primeira vez. O calor começa a crescer a partir dessa hora e normalmente não consigo ficar na cama para além das 7. Hoje cometi a loucura de me levantar às 7h35!
Como por aqui é noite cerrada às 6 da tarde e às 9 e meia estou na cama de livro nos braços, acordar às 6 da manhã é como se fossem umas 10 em Portugal. Julgo eu. Às 4 e meia já há luz do nascer do dia, os galos cantam a meio da noite pelas 3 da manhã, e às 8 todas as lojas na cidade estão abertas.
Acordo sempre eu primeiro e fica o Xano a dormir, a quem eu todas as manhãs invejo essa capacidade de se abstrair dos galos, dos pássaros que moram no telhado por cima do nosso quarto, e que todas as manhã fazem autênticos concertos, dos empregados das casas ao lado que falam em macua uns com os outros, como se estivessem todos a discutir mas afinal estão p'raí a falar do tempo, das crianças que brincam e que também gritam, da música da vizinha do lado que mais parece um rádio partido com o volume no máximo e altamente estridente, do calor que penetra dentro das quarto paredes, da luz que invade tudo, de toda a vida que começa cedo demais para mim que sempre vivi num outro mundo.
Adiante.
Deixo o meu Príncipe no seu sono profundo e começo o meu dia que já tem um ritual muito próprio, só alterado ligeiramente quando falta a água e a luz.
Começo por aquecer a água para fazer chá e café, encho a panelinha e ligo o único bico do fogão eléctrico - só tenho um bico para cozinhar, e assim tem sido estes meses - e deixo o alguidar com a roupa suja, o OMO e as molas à porta de casa para o Yassine assim que chegar comece logo por lavar a roupa.
Depois venho para o computador, ligo a internet e todas as manhãs fico de olhos muito abertos a presenciar esse momento: "vamos ver se hoje há ou não...". Há. Muito bem. Vou ver emails, o blog, outros blogs e outras notícias.
Se tenho fotos que tenha tirado no dia anterior descarrego e organizo-as nas suas pastas. Hoje tenho, e muitas, mas a máquina ficou sem bateria e por isso tenho primeiro de a recarregar.
Passado um pouco não se aguenta o calor na sala e eu ligo a ventoinha - o Xano continua a dormir como um anjinho. Pouco tempo depois ele aparece - sempre muito ensonado e já a reclamar o barulho da ventoinha. Tomamos o pequeno almoço os dois.
Saimos ainda antes de almoço para ir beber um café e fazer algumas compras que faltem, sendo que eu de manhã já estive a pensar no almoço. Vamos ao Banco, ou tratar de alguma coisa mais urgente - hoje, por exemplo, temos de ir reclamar a nossa box da tv que avariou!
Regressamos a casa pelas 12h30 e preparamos o almoço. O Yassine vem à tarde limpar a casa, lavar a loiça e passar a ferro e nós voltamos a sair para mais algumas coisas com ir às Finanças ou ir à Praia. São dois universos muito próximos!
Pelas 17h00 fecha tudo, as pessoas recolhem-se tal como o sol e nós regressamos a casa.
Preparamos o jantar ou até vamos comer qualquer coisa fora e o dia termina.
Estes foram mais ou menos os nossos dias por esta cidade, sendo que a partir desta semana tudo irá mudar um pouco. Devemos partir para o Ibo dentro de poucos dias, ainda não sabemos quando. Estamos a aguardar a vinda de um barco (dhow) que vem carregado com 10 mil molhos de macotim (folhas de palmeira que servem para fazer os telhados) e que no regresso a casa, em Pangane, leva-nos a nós e a mais uma arca congeladora, um gerador, um fogão, caixas de ferramentas, bidons de gasolina, bilhas de gás, caixotes de comida, loiça e roupa até ao Ibo - que fica a caminho.
Resolvemos fazer desta forma pois é mais prático e sempre mais aventureiro, uma vez que nós vamos no barco fazer essa viagem que dura 12 horas! É metade feita de dia e outra metade durante e noite- sempre à vela. Hoje está lua cheia e se partirmos nestes dias será uma viagem inesquecível - já falamos com várias pessoas que a fizeram e dizem que muitas vezes vê-se o fundo do mar com o luar e os golfinhos aproximam-se do barco (e na época das baleias também elas).
Assim, iremos estar entre o Ibo e Pemba a resolver todas as nossas coisas e a ver se finalmente começamos a nossa nova vida aqui. Primeiro há que organizar todas as coisas à nossa volta para depois, finalmente, a cabeça, o corpo e o espírito serenarem. E será nessa altura que o nosso sonho irá começar a tomar forma, movendo-nos na sua concretização.
São precisos muitos movimentos, fazer coisas, ir, buscar, levar, comprar, meter, pensar, falar, discutir, conversar e muita ginástica de ideias que no final irão tomar a forma de um projecto a dois.
Estes dias por Pemba também foram diferentes pois finalmente começamos a conhecer outras pessoas, da nossa idade, que vivem por aqui e trabalham em projectos com ONG's e outras Instituições. Portugueses, finlandeses, austríacos, suíços, espanhóis, sul americanos, alemães, californianos, franceses - uma mistura de gente e de culturas, num grupo muito original e peculiar!
Ontem fomos com um grupo assim, tipo "salada russa", fazer um passeio às Cascatas do Rio Lúrio (que fica próximo de Chiure a caminho de Nampula) e ainda fomos para o meio de uma aldeia conhecer o José, um homem que colecciona cobras, tira-lhes o veneno, guarda-as em casa e quer ser um artista.
Brevemente sai um Bolo "benenoso"!
Comentários
Sem querer sinto um pouco de inveja por já ter passado para mim o tempo de viver essas aventuras....
Parabéns pelo blog e pelas fotos, ganhou mais um seguidor!