O Gurué e os Meninos do Rio
Meus caros leitores,
O texto que se segue é da minha inteira responsabilidade e é provavelmente o primeiro texto deste Blog que é em simultâneo uma lição de vida.
Uma lição de vida para os meus caros leitores e para mim, também.
Ontem, após 900km de viagem, cerca de 12horas de carro desde Chimoio, chegámos ao Gurué. Saímos de Chimoio, capital do distrito de Manica, cidade muito mais evoluída do que Pemba, cheia de artistas e de músicos, às 5 da manhã. Parámos uns poucos kms antes do Caia para um pic nic à beira da estrada, deviam ser umas 10h30. O calor começou a apertar logo pelas 9h30.
Quando parámos, parou o mundo. Não se passava nada na estrada. Só nós, umas sandes de queijo, um sumo, água, libelinhas que vinham curiosas espreitar o nosso carro, e águias que sobrevoavam aquele deserto de mato escaldante. Não passou um carro.
Atravessámos o Rio Zambeze pela segunda vez, desde que estamos em Moçambique, e seguimos viagem até Mocuba onde paramos mais uma vez para café, água e levantar dinheiro.
Na estrada sempre nos íamos cruzando com alguns chapas, camiões (muitos avariados à beira da estrada), vendedores de mel e miúdos com as galinhas viradas de pernas para o ar, e as pernas de cabrito (?) seco.
Depois de Mocuba, onde bebi um café Delta que me soube pela vida, seguimos até ao Gurué. Às montanhas.
Foram os últimos 195 km, onde já tivemos a verdadeira estrada africana - de terra batida, cor de laranja fogo, pó e mais pó.
A poucos kms da cidade começamos a ver tapetes e tapetes verdes - são as plantações de chá.
Descobrimos uma Pensão, não a Pensão Gurué que está demasiado decadente, mas a Pensão Januário que tem tv e AC. Um luxo africano!
Tomámos um banho carregado de sabonete, caindo os quilos de pó pelo ralo abaixo. Liguei o meu PC à ficha do quarto e capute. Nada. A mesma mensagem de há 1 ano atrás, quando ele se tinha ído à vida pelos picos de corrente na Zambujeira do Mar.
Boot Device Not Found: eram as 4 palavrinhas que eu menos queria ler nesta terra. Não há forma de o arranjar sem ser em Lisboa, julgo eu, se bem que ainda vou tentar com os Cd's de recuperação do sistema, que estão em Pemba. Caiu-me o mundo aos pés. É certo que fiz um backup de tudo antes de sair de Lisboa, e tenho o disco externo comigo, mas houve fotos que já as perdi, e este PC, o do Xano, não tem Word!
Ou seja, caiu-me tudo aos pés, porque achei que tinha perdido a minha ferramenta de trabalho, e tudo o que me alimenta que é a escrita e a partilha.
Achei o mundo demasiado injusto e fiz uma birra, como se tivesse 10 anos. É claro que chorei baba e ranho. Era como se tivesse perdido um melhor amigo.
Mas.
Mas, quando se acorda às 7 da manhã, faz-se um caminho de 1 hora a pé entre plantações de chá, acácias, magnólias e bambu gigante e se chega a uma cascata de água que me espera como se sempre estivesse ali, há centenas de anos à minha espera, eu olho para o meu PC "morto" e penso: "como é possível eu achar o mundo injusto?!"
Como não há aqui grande margem de manobras para incluir fotos, eu tiro uma para os meus leitores e assim "mostro-vos" o Gurué. O Gurué é uma cidade no sopé de um conjunto de montanhas, uma delas com 2.492mts de altura, todas com um aspecto altamente jurássico. Qualquer coisa de muito anterior, muito primitiva. A forrar o pé das montanhas e crescendo até um pouco acima, há cerca de 12 plantações de chá, o que equivale a 12 fábricas geridas por chineses e indianos, o que equivale a trabalhadores que todos os dias carregam cestos de vime com 45 quilos de folhinhas verdes (só se tiram as 3 folhinhas do topo do arbusto). São centenas de hectares de chá a crescer no coração de Moçambique.
Entre as plantações há acácias e bambu, muito dele com mais de 15 metros de altura, e ainda há umas pedras gigantes que mais parecem do tempo do paleolítico. Há o silêncio do chá, pássaros e borboletas de todas as cores. E a nossa volta só se vêem montanhas, só se sente o vento suave, não há nada agressivo é tudo natureza pura.
1 hora e pouco depois de começar a caminhada chegamos à Cascata. Não há palavras para descrever o som da água, o nosso banho na base da Cascata, com a água a bater nas nossas costas, as libelinhas a brincar com as gotas de água que voavam a metros de distância, o verde que nascia nas paredes e escorria com a espuma branca.
Depois fizemos mais 1 hora de caminho e fomos tomar banho ao Rio Licungo. Piscinas de água autêntica que se formavam entre as pedras, e nós e o nosso guia, o Avelino que nos pediu cerca de 4 euros para fazer este passeio connosco (!) demos mais um mergulho naquelas montanhas. Havia um miudo que pescava, e tinha pescado um peixe que se chamava "peixe triste". Ele assobiava uma espécie de chamamento enquanto lançava a cana.
Quando estavamos a terminar o banho, chegaram uns 15 meninos, vindos debaixo do chão e começaram a mergulhar para as piscinas, a dar saltos, a rir às gargalhadas com as fotografias que tiravamos. E passamos a tarde com os meninos do Rio.
E eu voltei a mim. Dou Graças pela oportunidade que tive, pelo passeio que fiz, pelos meninos tão pobres (nem português falam) que sorriam como se aquele fosse o melhor momento das suas vidas, pelo meu corpo que tem a saúde que precisa para fazer aquela caminha tão forte (foram quase 4 horas a caminhar), debaixo do calor e a transpirar como uma torneira, pelos caminhos de pedras que fiz para chegar à Cascata, pelos trilhos do bambu para chegar ao Rio. Dou Graças por tê-lo feito com o meu marido, ao meu lado, por ter visto que algum Deus - Grande Arquitecto deve ter existido na terra por ter feito no meio de África uma paisagem daquelas, por a natureza ser-me sempre tão generosa e por estar aqui hoje a escrever isto para vocês.
Foi uma dia maravilhoso, nunca o esquecerei.
O que realmente importa na vida está dentro de nós.
Essa é a minha lição!
O texto que se segue é da minha inteira responsabilidade e é provavelmente o primeiro texto deste Blog que é em simultâneo uma lição de vida.
Uma lição de vida para os meus caros leitores e para mim, também.
Ontem, após 900km de viagem, cerca de 12horas de carro desde Chimoio, chegámos ao Gurué. Saímos de Chimoio, capital do distrito de Manica, cidade muito mais evoluída do que Pemba, cheia de artistas e de músicos, às 5 da manhã. Parámos uns poucos kms antes do Caia para um pic nic à beira da estrada, deviam ser umas 10h30. O calor começou a apertar logo pelas 9h30.
Quando parámos, parou o mundo. Não se passava nada na estrada. Só nós, umas sandes de queijo, um sumo, água, libelinhas que vinham curiosas espreitar o nosso carro, e águias que sobrevoavam aquele deserto de mato escaldante. Não passou um carro.
Atravessámos o Rio Zambeze pela segunda vez, desde que estamos em Moçambique, e seguimos viagem até Mocuba onde paramos mais uma vez para café, água e levantar dinheiro.
Na estrada sempre nos íamos cruzando com alguns chapas, camiões (muitos avariados à beira da estrada), vendedores de mel e miúdos com as galinhas viradas de pernas para o ar, e as pernas de cabrito (?) seco.
Depois de Mocuba, onde bebi um café Delta que me soube pela vida, seguimos até ao Gurué. Às montanhas.
Foram os últimos 195 km, onde já tivemos a verdadeira estrada africana - de terra batida, cor de laranja fogo, pó e mais pó.
A poucos kms da cidade começamos a ver tapetes e tapetes verdes - são as plantações de chá.
Descobrimos uma Pensão, não a Pensão Gurué que está demasiado decadente, mas a Pensão Januário que tem tv e AC. Um luxo africano!
Tomámos um banho carregado de sabonete, caindo os quilos de pó pelo ralo abaixo. Liguei o meu PC à ficha do quarto e capute. Nada. A mesma mensagem de há 1 ano atrás, quando ele se tinha ído à vida pelos picos de corrente na Zambujeira do Mar.
Boot Device Not Found: eram as 4 palavrinhas que eu menos queria ler nesta terra. Não há forma de o arranjar sem ser em Lisboa, julgo eu, se bem que ainda vou tentar com os Cd's de recuperação do sistema, que estão em Pemba. Caiu-me o mundo aos pés. É certo que fiz um backup de tudo antes de sair de Lisboa, e tenho o disco externo comigo, mas houve fotos que já as perdi, e este PC, o do Xano, não tem Word!
Ou seja, caiu-me tudo aos pés, porque achei que tinha perdido a minha ferramenta de trabalho, e tudo o que me alimenta que é a escrita e a partilha.
Achei o mundo demasiado injusto e fiz uma birra, como se tivesse 10 anos. É claro que chorei baba e ranho. Era como se tivesse perdido um melhor amigo.
Mas.
Mas, quando se acorda às 7 da manhã, faz-se um caminho de 1 hora a pé entre plantações de chá, acácias, magnólias e bambu gigante e se chega a uma cascata de água que me espera como se sempre estivesse ali, há centenas de anos à minha espera, eu olho para o meu PC "morto" e penso: "como é possível eu achar o mundo injusto?!"
Como não há aqui grande margem de manobras para incluir fotos, eu tiro uma para os meus leitores e assim "mostro-vos" o Gurué. O Gurué é uma cidade no sopé de um conjunto de montanhas, uma delas com 2.492mts de altura, todas com um aspecto altamente jurássico. Qualquer coisa de muito anterior, muito primitiva. A forrar o pé das montanhas e crescendo até um pouco acima, há cerca de 12 plantações de chá, o que equivale a 12 fábricas geridas por chineses e indianos, o que equivale a trabalhadores que todos os dias carregam cestos de vime com 45 quilos de folhinhas verdes (só se tiram as 3 folhinhas do topo do arbusto). São centenas de hectares de chá a crescer no coração de Moçambique.
Entre as plantações há acácias e bambu, muito dele com mais de 15 metros de altura, e ainda há umas pedras gigantes que mais parecem do tempo do paleolítico. Há o silêncio do chá, pássaros e borboletas de todas as cores. E a nossa volta só se vêem montanhas, só se sente o vento suave, não há nada agressivo é tudo natureza pura.
1 hora e pouco depois de começar a caminhada chegamos à Cascata. Não há palavras para descrever o som da água, o nosso banho na base da Cascata, com a água a bater nas nossas costas, as libelinhas a brincar com as gotas de água que voavam a metros de distância, o verde que nascia nas paredes e escorria com a espuma branca.
Depois fizemos mais 1 hora de caminho e fomos tomar banho ao Rio Licungo. Piscinas de água autêntica que se formavam entre as pedras, e nós e o nosso guia, o Avelino que nos pediu cerca de 4 euros para fazer este passeio connosco (!) demos mais um mergulho naquelas montanhas. Havia um miudo que pescava, e tinha pescado um peixe que se chamava "peixe triste". Ele assobiava uma espécie de chamamento enquanto lançava a cana.
Quando estavamos a terminar o banho, chegaram uns 15 meninos, vindos debaixo do chão e começaram a mergulhar para as piscinas, a dar saltos, a rir às gargalhadas com as fotografias que tiravamos. E passamos a tarde com os meninos do Rio.
E eu voltei a mim. Dou Graças pela oportunidade que tive, pelo passeio que fiz, pelos meninos tão pobres (nem português falam) que sorriam como se aquele fosse o melhor momento das suas vidas, pelo meu corpo que tem a saúde que precisa para fazer aquela caminha tão forte (foram quase 4 horas a caminhar), debaixo do calor e a transpirar como uma torneira, pelos caminhos de pedras que fiz para chegar à Cascata, pelos trilhos do bambu para chegar ao Rio. Dou Graças por tê-lo feito com o meu marido, ao meu lado, por ter visto que algum Deus - Grande Arquitecto deve ter existido na terra por ter feito no meio de África uma paisagem daquelas, por a natureza ser-me sempre tão generosa e por estar aqui hoje a escrever isto para vocês.
Foi uma dia maravilhoso, nunca o esquecerei.
O que realmente importa na vida está dentro de nós.
Essa é a minha lição!
Comentários
my name is Peter from Pensao Gurue, I appreciate you comment but must inform you that Pensao Gurue is rehabilitated again after being for several years under local management.
Now we offer the best Restaurant in town and a decent accommodation!
Thanks
Peter
pensao.gurue.gmail.com