D. Lena

D. Lena. 51 anos. Empregada de Limpeza da Conforlimpa. Veste bata verde. Faz a recolha dos caixotes do lixo e a limpeza dos átrios, bancos e gabinetes das Estações da Linha Azul. Hoje passa pela Baixa-Chiado. Flash faz a entrevista (eu nem imagino o que vai sair daqui, por isso vou fugir).

- Bom dia, D. Lena! Então aqui não se pode fazer xixi, nem cocó?

- Não, seu porcalhoto! A minha Xaninha se te visse fugia logo, ela já tem 14 anos e não atura porcalhotos como tu!

- Eu não sou nada disso! Chamo-me Flash e sou uma pessoa super simpática.

- Sim, mas anda lá com isto, ò menino, que a minha vida não é dar entrevistas. Ainda tenho de ir limpar os gabinetes.
(D. Lena pousa o saco preto de 788 litros que vinha a arrastar desde o fundo da Estação.)

- Oh, D. Lena. Diga lá o que andou hoje a recolher dos caixotes. Nada que se coma, não?

- Tu és mesmo porcalhoto! Escusas de andar aqui a cheirar, que eu não tenho nada para ti. Ouvistes? Hoje apanhei uma sandália com o salto partido, coitadita da senhora, que foi coxa no metro, um bloco de notas todo sujo de gelado derretido e uma daquelas coisas que se põem nos ouvidos. Sabes o que é? Aquilo que dá música, tem um fiozinho e duas coisas que se metem nos ouvidos.

- Isso come-se, de certeza!

- Não come nada!! Ai, rais parta o cão. Olha lá, eu tenho de ir aos gabinetes, já te disse!

- D. Lena, espere lá um bocadinho... a Rita zanga-se comigo se eu não fizer a entrevista...

- Vá. Não faças essa cara de sonso, que também não vale a pena. Diz lá, então.

- Que género de coisas é que a D. Lena encontra?

- Olha, tudo! Já me apareceu um telémovel no caixote do lixo, alguns porta-moedas - são os ladrões e a gente tem sempre de avisar o Chefe da Estação - ramos de flores, livros, CD's, até testes de gravidez e caixas fechadas com os bolos inteiros lá dentro!

- Muito bem, D. Lena. Por acaso não guardou essa caixa de bolos, não?

- Olha, até houve uma vez que deixaram no banco, esquecido, uma carta que era um cheque do Banco! Vê lá!

- E a caixa dos bolos?

- Ah! E também houve aquela vez em que me pediram para vasculhar os caixotes, porque tinham deitado para o lixo uma data de papéis com o bilhete de identidade lá no meio... Eu sinceramente, não sei onde as pessoas às vezes andam com a cabeça!

- Mas, D. Lena...

- Isto está a tomar um rumo, meu menino, tu nem queiras saber. Eu vejo! As pessoas julgam que lá por ser empregada de limpeza, que não sei das coisas. Mas eu sei! Eu vejo bem como as pessoas andam. A correr de uns metros para outros, a esquecerem-se das coisas nos bancos, as carteiras, as mochilas da escola, os sacos do supermercado. Eu sei bem como este mundo anda. Anda perdido.

- D. Lena...

- Vão-nos cortar com os subsídios agora. A minha Cátia está a acabar os estudos, tenho o meu marido em casa, desempregado e diabético, ainda não recebi o subsídio de férias deste ano. Isto está uma desgraça é o que te digo.

- D. Lena, vou fazer xixi, ali no cantinho.

- E quando a Cátia acabar os estudos, vai para o desemprego. Ai, pois. Que eu já lhe disse que ela tem de trabalhar, fazer pela vida, que eu não posso mais. É como o irmão, teve de ir trabalhar. E ele foi, é ajudante de pedreiro. E...
Ó porcalhoto!!! Tu não faças xixi aqui dentro!! Tu vais levar, anda cá!!

Comentários

Anónimo disse…
Flash, já pensaste por que razão a Rita de deixou a fazer a entrevista? Se calhar também estava aflitinha (hihihi)...
Olha, mas tu saíste-te muito bem, parabéns! Aliás porque não te candidatas para fazeres as folgas/férias do Jorge Gabriel na Praça da Alegria?
Anónimo disse…
Vale a pena mais entrevistas feitas pelo flash.Coitado, que ele tirou a foto á porta da casa que ganhou o concurso e não lhe abriram a porta.Vá , queremos mais entrevistas.

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