Fernando
O maquinista.
Fernando, o maquinista.
Foi em Maio, ou já seria Junho? Lembra-se que já estava calor e nesse dia não levou o colete de malha azul escuro com a carcela em encarnado. Estava a conduzir a "máquina" para chegar ao cais do Campo Pequeno. No relatório do INEM eram 10:43.
Fernando é maquinista do Metro de Lisboa há 3 anos.
Antes disso foi taxista durante 1 ano, mas como o táxi era do Tio e ele encheu-se de dívidas, acabou por vender o carro.
Fernando respondeu a um concurso público e acabou por ser seleccionado e ficou. Este ano conseguiu mudar de horário e agora está finalmente a tirar o curso de técnico auxiliar de fisioterapia e massagem de reabilitação em horário pós-laboral. Ele gosta de conduzir as máquinas, mas não é o que sonha para o resto da vida. E lá por isso nunca se lembraria de se atirar para os carris de uma linha do metro.
Agora tem a certeza de que era Junho. Porque uns dias antes, no dia mundial da criança, tinha conduzido uma máquina cheia de meninos e meninas. Para muitos a primeira vez que andavam de metro. Fernando gosta de fazer os "serviços especiais". Houve uma vez um casal que quis casar na Estação do Parque e foi ele que depois os levou de Metro até aos Restauradores, onde havia o copo de água.
Nesse dia de Junho, pelas 10:43, Fernando conduzia a sua máquina (nº 1-873-0), linha amarela, saía de Entrecampos e entrava no cais do Campo Pequeno. Um homem, bem ao centro do cais, "cai" nos carris, um segundo antes de Fernando accionar o travão.
Um segundo antes do grito de uma senhora que estava três passos à esquerda, um segundo antes do cérebro de Fernando "escrever" a seguinte frase: aquele homem vai-se atirar, repara como ele está a pisar o risco amarelo, repara como ele olha para o chão em frente, como ele está vestido com este calor, de fato e sobretudo, como ele não olha para ti, para o painel, para as outras pessoas, só olha para o chão, para os carris, repara como ele dá um passo, repara com ele cai naquele fosso, repara como o peso que tu conduzes é tão forte que quase nem o sentes, é como se fosses de carro e tivesses pisado um pacote de leite, repara...
E segundos depois, Fernando parou a máquina. A sua carruagem não se desviou um milímetro dos carris. O comboio estava inteiro sobre o cais. Apesar de já vir em desaceleração, Fernando não conseguiu mais do que parar na parte da frente do cais. Uma travagem brusca causaria mais danos aos passageiros dentro do comboio do que ao que, brutalmente, já estava feito.
Não foi trabalhar durante uma semana. Depois outra semana a seguir. Apesar de ter passado para a linha verde, continua cheio de imagens e de sonhos durante a noite. Manteve o horário da manhã, ainda faltou a umas aulas do curso, mas não desistiu de ir trabalhar. Foi a uma psicóloga durante 2 semanas, não tinha nada para dizer. Falar sobre o quê?
Fernando, o maquinista do Metro que quer ir trabalhar para auxiliar de fisioterapia.
É só o que há a dizer.
Fernando, o maquinista.
Foi em Maio, ou já seria Junho? Lembra-se que já estava calor e nesse dia não levou o colete de malha azul escuro com a carcela em encarnado. Estava a conduzir a "máquina" para chegar ao cais do Campo Pequeno. No relatório do INEM eram 10:43.
Fernando é maquinista do Metro de Lisboa há 3 anos.
Antes disso foi taxista durante 1 ano, mas como o táxi era do Tio e ele encheu-se de dívidas, acabou por vender o carro.
Fernando respondeu a um concurso público e acabou por ser seleccionado e ficou. Este ano conseguiu mudar de horário e agora está finalmente a tirar o curso de técnico auxiliar de fisioterapia e massagem de reabilitação em horário pós-laboral. Ele gosta de conduzir as máquinas, mas não é o que sonha para o resto da vida. E lá por isso nunca se lembraria de se atirar para os carris de uma linha do metro.
Agora tem a certeza de que era Junho. Porque uns dias antes, no dia mundial da criança, tinha conduzido uma máquina cheia de meninos e meninas. Para muitos a primeira vez que andavam de metro. Fernando gosta de fazer os "serviços especiais". Houve uma vez um casal que quis casar na Estação do Parque e foi ele que depois os levou de Metro até aos Restauradores, onde havia o copo de água.
Nesse dia de Junho, pelas 10:43, Fernando conduzia a sua máquina (nº 1-873-0), linha amarela, saía de Entrecampos e entrava no cais do Campo Pequeno. Um homem, bem ao centro do cais, "cai" nos carris, um segundo antes de Fernando accionar o travão.
Um segundo antes do grito de uma senhora que estava três passos à esquerda, um segundo antes do cérebro de Fernando "escrever" a seguinte frase: aquele homem vai-se atirar, repara como ele está a pisar o risco amarelo, repara como ele olha para o chão em frente, como ele está vestido com este calor, de fato e sobretudo, como ele não olha para ti, para o painel, para as outras pessoas, só olha para o chão, para os carris, repara como ele dá um passo, repara com ele cai naquele fosso, repara como o peso que tu conduzes é tão forte que quase nem o sentes, é como se fosses de carro e tivesses pisado um pacote de leite, repara...
E segundos depois, Fernando parou a máquina. A sua carruagem não se desviou um milímetro dos carris. O comboio estava inteiro sobre o cais. Apesar de já vir em desaceleração, Fernando não conseguiu mais do que parar na parte da frente do cais. Uma travagem brusca causaria mais danos aos passageiros dentro do comboio do que ao que, brutalmente, já estava feito.
Não foi trabalhar durante uma semana. Depois outra semana a seguir. Apesar de ter passado para a linha verde, continua cheio de imagens e de sonhos durante a noite. Manteve o horário da manhã, ainda faltou a umas aulas do curso, mas não desistiu de ir trabalhar. Foi a uma psicóloga durante 2 semanas, não tinha nada para dizer. Falar sobre o quê?
Fernando, o maquinista do Metro que quer ir trabalhar para auxiliar de fisioterapia.
É só o que há a dizer.
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