Judite

Nasceu em Viana do Castelo. Está casada há 35 anos. O Pai trabalhava nos Estaleiros e a Mãe tomava conta dos filhos em casa. Eram seis irmãos, agora são quatro. O irmão mais velho morreu de diabetes, a outra irmã foi num acidente de carro, quando ainda não havia autoestrada.
Lembra-se muito de quando iam a Vigo, com os irmãos e os Pais, nuns passeios que o Estaleiro organizava. Compravam sapatos de pano e esfregonas, que cá ainda não havia.
Um dia o Pai teve um acidente, caiu de um andaime enquanto andava a pintar um barco e morreu.
A Mãe mandou-a a ela e à irmã mais nova para Lisboa, para casa de uma Senhora que vivia no Restelo e precisava de uma empregada de confiança. Ela continua na casa da Senhora a trabalhar, há mais de 30 anos, foi lá que conheceu o marido, que era motorista do Senhor.
E sempre viveram os dois em Alcântara, perto da irmã, que entretanto foi trabalhar para a Fábrica de Chocolates da Regina.
Gosta de cozinhar o polvo e o arroz de bacalhau com muito azeite, não tanto como costumava porque os diabetes andam na família. Em Agosto vai sempre às Festas de Viana, estão lá os dois irmãos mais velhos, sobrinhos e uns Tios. Dança, veste-se com os trajes, põe o ouro ao peito.

Mas hoje a Judite foi vender o ouro que tinha em casa. Aquele mesmo que a Mãe lhe tinha dado, e que a Tia e sua Madrinha lhe tinha oferecido quando se baptizou e se casou. Quis ir para longe do Restelo e disse que tinha uma consulta. Foi para os lados da Expo que encontrou daquelas lojas todas amarelas que dizem "OURO" e lá deixou o sorriso da Mãe e as carícias da Madrinha a fazer-lhe as tranças.
Tudo por culpa do filho, cheio de dívidas e agora desempregado, que todos os dias lhe liga a pedir mais dinheiro. O marido teve de se reformar por começar a ver mal para conduzir, e o filho não pára de comprar electrodomésticos e computadores nas campanhas da Rádio Popular e da Worten.
Judite andava já cansada disso tudo até que viu o anúncio do "OURO" e pensou nos cordões e nos brincos, nas pulseiras e nos anéis. Também não tinha filhas a quem deixar e a nora não usava coisas daquelas, queria-lhe parecer. Não levou tudo. Só uma parte, para ver o que lhe diziam. Conseguiu 1.150€. Mas mesmo assim, com o dinheiro na carteira, a caminho de casa, Judite não se sentia aliviada.

E por instantes, naquele passo apressado, respirou o ar do mar em Viana, e viu o Pai e a Mãe ao cimo das escadas. Só lhe bastariam aqueles anos em Viana, tudo o resto não lhe encheu a alma, como lhe encheu aquela vida de menina pequenina.
Se ao menos o ouro comprasse tudo aquilo de volta, pensou.

Comentários

Anónimo disse…
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