João Paulo


Andar de metro pressupõe um movimento que nos leva de um ponto a outro. O que implica uma energia, uma mudança, um caminho para se chegar, um encontro, uma tarefa.
Gosto de andar de metro porque faz-me sentir que estou a cumprir uma missão e o movimento das carruagens e a força da composição são pura energia. Ir a pé até ao metro, voltar a pé do metro. Descer escadas, subir escadas.
João Paulo é um velhote que se senta no terceiro degrau das escadas do metro, sempre do mesmo lado direito de quem sobe, em direcção ao solo. O canto é dele. Tem umas fichas do Centro de Saúde e uns cartões por baixo de umas moedinhas. Está sempre calado e nunca de mão estendida.
Para passar o tempo, julgo eu, vai mexendo o corpo, num subtil vai-vem, como se estivesse a repetir um mantra vezes sem conta dentro de si.
João Paulo é o não-movimento. É a espera, o estático, o perene. Passam por ele, sobem e descem, degraus e degraus de sapatos, botas, sandálias e saltos altos. Movimento atrás de movimento, energia feita em passadas.
João Paulo permanece no degrau, calado com a mão não estendida.
Já lhe dei moedas. Houve um dia em que até lhe dei uma moeda de 2€. Não sou capaz de não olhar para ele, de não o fixar por uns segundos, de não imaginar quem ele é.
De todas as "vidas debaixo do chão", esta é aquela que mais me inquieta, que mais dificuldade me dá em perceber o que se passa dentro dela e é por isso que muito me atrai.

Comentários

Anónimo disse…
Tens razão.Mas , tudo isso que tu sentes, sentem muitos milhares de pessoas que ali passam - no metropolitano de Lisboa.E parece-me que tu, sem querer, estás a falar por essas pessoas.Neste planeta, existem milhões de pessoas que têm essa sensação, que conforme dizes te incomoda.O que me parece é que sempre foi assim e sempre será , ou então virá o dia em que não vale a pena estender o boné porque ninguem tem dinheiro para por no boné o que se calhar talvez fosse melhor.Todos sem dinheiro.Não é fácil.

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